Ver e ser visto: é isso que o povo quer 29 de fevereiro de 2012

Ver e ser visto: é isso que o povo quer

         

Onde é ganhamos algo com isso? Ou só estamos fazendo os outros ganharem? Para ativar o debate, convido Augusto Rocha, da Pmweb, que atua na área de corporate development

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Curioso analisar o consumo pelos tempos e observar o comportamento das multidões frente ao permanente deslumbramento trazido pela novidade. Quem é que não quer comprá-la? Quem é que não quer ganhá-la?
 
Em 1850, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe, em sua obra O homem da multidão, define seu observador como um investigador inserido na multidão citadina, entre milhares de pessoas desconhecidas e entre os novos signos e informações deste grande fenômeno urbano em permanente construção — a cidade. 
 
Para o ensaísta e crítico literário alemão W. Benjamin, em Paris, capital do século XIX (1935), o observador é o flâneur, o ocioso burguês que paira por entre as noveautés e specialités do comércio e busca refúgio na multidão enquanto se deleita com o prazer insaciável que o consumo proporciona — vitrines e galerias cujas imagens e objetos são perfeitos para se colecionar e se admirar.
 
O antropólogo italiano Massimo Canevacci (2001) atualiza o flâneur como um status-game em que todos são observadores e observados expondo seus próprios sinais e identificando os dos demais. O centro de produção e reprodução pós-industrial cede espaço para produções culturais que permitem interações comunicacionais — espaços onde multivíduos trocam e consomem imagens, experiências, decodificações em velocidade cada vez mais potencializada e randômica. A multidão ganha força: deixa de apenas olhar para participar da construção e manutenção tanto de cidades como de shoppings inteiramente virtuais.
 
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, defende que o flâneur tem o dom de, em sua solidão, observar sem ser flagrado, sem um objetivo muito claro em mente. Ó, saudosismo. Quem pode ser flâneur na era da web?
 
Foi-se o tempo de navegar pela web para descobrir novos mundos e ampliar as fronteiras; navegar por navegar qual circular à toa pela cidade ou ver vitrines por prazer. Tudo tem um destino programado, um roteiro pré-determinado com base em seus gostos pessoais e valendo bônus, pontos, descontos e gifts em troca de suas informações.
 
E mais: o observado é um sujeito ativo que observa o observador e o modifica, negociando suas informações pessoais e corporativas com seus valores móveis, plurais e descentralizados.
 
Evgeny Morozov, autor do livro A desilusão da rede: o lado obscuro da liberdade online, escreveu em seu artigo A segunda morte do flâneur, (NYT para o suplemento “Link” do Estado de S.Paulo, 20/2/2012): “Ninguém mais navega. A popularidade dos aplicativos – que conduzem àquilo que queremos sem que seja necessário abrir o browser, faz do flanar online algo cada vez menos provável”, completa: “Passear pelo Groupon não é tão divertido quanto caminhar por uma galeria, eletrônica ou não”.
 
O flanar de hoje é controlado, limitado, editado. Exemplos? O Google, que tenta organizar as informações do mundo para você, definindo fontes para as informações, de política internacional a ranking de preços qual oráculo pré-programado. E o FaceBook, com 845 milhões de usuários ativos espalhados pelo mundo, que simplifica os imensos círculos de amizades resumindo gostos pela média do que todos devem comer, ouvir, assistir em meio à tirania do social e do compartilhamento.
 
“Num certo sentido, todos nós viramos homens-sanduíche — última encarnação do flâneur, segundo Benjamim —, caminhando pelas ruas do Facebook com anúncios invisíveis pendendo de nossas identidades eletrônicas”, conclui Morozov. “A única diferença é que a natureza digital da informação permitiu que consumíssemos alegremente canções, filmes e livros ao mesmo tempo em que os anunciamos, desavisados.”
 
Onde é ganhamos algo com isso? Ou só estamos fazendo os outros ganharem? Para ativar o debate, convido Augusto Rocha, da Pmweb, que atua na área de corporate development, relações institucionais e é um evangelista do marketing digital no turismo, principalmente na distribuição eletrônica direta. 
 
MP: Existe essa de ganha, ganha, ganha na web? Internauta e empresa: qual a proporção?
AR: A lógica do ganha ganha na web é mais próxima das velhas mídias do que ousamos imaginar. As empresas de internet faturam com a audiência do usuário, e seus anunciantes pagam por audiência. O que difere de todas as outras mídias são as remunerações por transação, onde após o cliente concluir alguma compra o gerador do lead é remunerado. E o usuário nesta relação ganha ganha, ganha é o serviço, ou você se imagina pagando para conectar-se a 845 milhões de pessoas, ou para ter um serviço de email infinitamente mais robusto que o que já existiu, para criar uma galeria de vídeos enfim, os serviços online que o cliente paga, normalmente são para nichos e dificilmente alcançam as grandes massas. Hoje já se estuda uma maneira do usuário ser remunerado por seu comportamento, pelos seus dados deixados durante sua navegação, mas acredito que ainda estamos longe de ideias assim saírem dos docs e transformarem-se em realidade.
 
MP: Hoje os observadores da web estão enriquecendo com os hábitos de consumo das pessoas. O que as pessoas acham disso?
AR: Só se enriquece com audiência qualificada, só se tem audiência qualificada com conteúdo relevante, e se o consumidor do conteúdo está satisfeito não há porque ele preocupar-se com o rendimento de quem está criando o conteúdo. Ao contrário, é comum ver comunidades unirem-se para manter os seus formadores de conteúdo.
 
MP: Os minutos de sucesso compensam a invasão de privacidade do neo-flâneur cibernético?
AR:Essa resposta é muito particular, não acredito em invasão de privacidade, afinal por mais que ninguém leia, você sempre precisa aceitar os termos, e as informações que você publica são totalmente espontâneas, agora se você está nessa em busca do sucesso é claro que vai precisar oferecer bem mais do que quem apenas não quer ficar de fora.
 
Taí a novidade: entrou na rede, é peixe. Não pode bobear. Ou você está nesta viagem apenas a passeio? Flanar, do jeito que a web está para os negócios, nem pensar. Enquanto uns socializam, alguém tem que ganhar com isso. É disso que o povo gosta. É isso que o povo quer?
 
* Marina Pechlivanis é sócia diretora da Umbigo do Mundo, Mestre em Comunicação e Consumo pela ESPM, Integrante do GEA AMPRO (Grupo de Estudos Acadêmicos)  e co-autora do livro Gifting (Campus Elsevier, 2009). [email protected]

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