Um olho na Lupa e outro no Saúde Bruno Mello 25 de setembro de 2023

Um olho na Lupa e outro no Saúde

         

Luciana Florêncio de Almeida e Murilo Muniz da ESPM fazem uma análise sobre como a rotulagem nutricional frontal tem impactado as decisões de compra

Um olho na Lupa e outro no Saúde
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O Atlas da Obesidade apontou que 38% da população mundial acima de 5 anos encontra-se acima do peso. No Brasil, a obesidade está presente em 22,4% da população adulta. O estudo ainda apontou que o crescimento do sobrepeso tem sido maior em países de renda média ou baixa. Várias razões contribuem para esse cenário: preferência por alimentos altamente processados, comportamento sedentário mais comum, políticas de controle alimentar e marketing menos eficazes, além de recursos de saúde limitados para promover controle de peso e educação em saúde.

Neste sentido, há alguns anos os governos têm adotado a rotulagem nutricional frontal (RNF) como uma política pública de alerta à população no consumo de alimentos altos em gordura saturada, sódio e açúcares.

Após 10 anos em discussão, o Brasil adotou em outubro de 2022 o sistema de advertência como modelo de RFN, em formato de lupa. Dessa forma, os produtos que excederem os limites recomendados de sódio, açúcares e gorduras saturadas terão destacados na frente da embalagem uma lupa indicando o nutriente em alto teor presente em 100g ou 100ml daquele alimento ou bebida. Além disso, a tabela nutricional deverá ser padronizada para todos os produtos, incluindo lista de ingredientes, quantidades presentes em 100g/100l e em valores diários recomendados. Essas alterações deverão ser adotadas integralmente até outubro de 2024 por todos os alimentos e bebidas comercializados em território nacional.

Estudos científicos têm evidenciado a eficácia dos efeitos do uso da RNF sobre o comportamento do consumidor, demonstrado que a presença dos selos afeta a disposição em consumir produtos não saudáveis. Entretanto, no contexto brasileiro, devido ao ineditismo da medida, não havia estudos anteriores testando o comportamento dos consumidores com a adoção da RNF nas embalagens. Em 2022, foi realizada pesquisa1 no âmbito do Grupo de Pesquisa Agrifood & Franchising da ESPM com objetivo de verificar o efeito da nova RNF na intenção de compra dos consumidores de alimentos.

Foi realizado experimento com 96 participantes em dois cenários. No cenário 1, os sujeitos foram expostos a uma embalagem de iogurte integral contendo o elemento gráfico de uma lupa, indicando alto teor de gordura e açúcar adicionado, além da marca e descrição do produto. Já no cenário 2, os sujeitos foram expostos a uma embalagem de iogurte sem o elemento gráfico da lupa, contendo somente a marca e descrição do produto.

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Após serem expostos ao produto, os indivíduos foram solicitados a expressarem sua intenção de compras. Além disso, todos respondiam a um questionário para avaliar o interesse em alimentação saudável. O estudo confirmou a hipótese de que presença da RNF em formato de lupa influencia negativamente a intenção de compra do produto, onde 70% dos respondentes preferiram comprar o iogurte sem lupa. Entretanto, esperava-se que em indivíduos com maior interesse em saúde, o efeito da lupa seria maior do que naqueles em que não priorizam pela saudabilidade dos alimentos. No estudo, entretanto, essa hipótese não foi validada, demonstrando que independente da predisposição do consumidor em relação ao consumo de alimentos saudáveis ou não saudáveis, a presença da RFN tem efeito sobre a disposição de compra do consumidor.

A partir da pesquisa, há avenidas de estudo futuros para aprofundar os achados, testando por exemplo, o efeito combinado da presença da RFN e o sabor do alimento no comportamento de compra do consumidor. Além disso, as empresas de alimentos estão sendo convidadas a repensar suas formulações visando reduzir a presença de gorduras saturadas, açúcar e sódio, em contrapartida a adição de ingredientes e conservantes naturais.

A evolução na indústria de alimentos tem sido centrada no consumidor, com viés central na conveniência, auxiliando a todos na compra, preparo e consumo dos alimentos. Entretanto, os números do Atlas da Obesidade demonstram que esta estratégia precisa ser repensada. Para além dos danos à saúde, a conveniência também pode levar a maior utilização de embalagens, gerando mais lixo. Como permitir acesso a um alimento mais natural com o desafio das cadeias longas de suprimento? É possível desenvolver embalagens que agridam menos o meio ambiente?

Felizmente, perguntas como essas estão sendo respondidas há algum tempo por diversos centros de pesquisa mundo afora. Além disso, o consumidor também está buscando por mais informação sobre o que está consumindo. Ao se deparar com a lupa, é possível que ele queira saber mais sobre aquele produto, sobre o papel da empresa na disposição em oferecer opções mais saudáveis ou ainda buscar mais informações com amigos e parentes. Aqui apresenta-se uma janela de oportunidade para as marcas oferecerem conteúdo informativo sobre o que produzem e como produzem.

É esperado que em um tempo não muito distante, possamos ter uma realidade bem diferente daquela apresentada no início deste artigo.

*Luciana Florêncio de Almeida é Professora da Graduação e Pós-Graduação da ESPM

*Murilo Muniz é Mestre pela ESPM e Head of Sales da Chiper


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