Startup de sucesso não surge da noite para o dia 23 de outubro de 2013

Startup de sucesso não surge da noite para o dia

         

Com a supervalorização das ideias, as pessoas deixam de lado o planejamento e organização do projeto. André Telles explica quem é o empreendedor mínimo viável

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Num cenário em que as ideias são supervalorizadas, o planejamento e organização de um projeto acabam sendo deixadas em segundo plano. Para quem está entrando no universo empreendedor, o sucesso de uma startup não vem da noite para o dia. Até chegar ao formato ideal de um produto ou serviço, o empreendedor comete erros, acerta e muda de rumo algumas vezes.

Para se preparar para esta empreitada, sai em vantagem quem avalia se suas características têm a ver com as do empreendedor mínimo viável, conceito criado por André Telles e Carlos Matos no livro recém-lançado “O Empreendedor Viável: uma mentoria para empresas na época da cultura startup”. Entre elas, estão o conhecimento, a persistência e a capacidade financeira para superar os primeiros momentos até que o negócio amadureça.

Outro ponto crucial para o sucesso de um novo negócio é ter conhecimento sobre o mercado, técnicas clássicas de gestão e de Marketing. Estar preparado para as dificuldades do ambiente é outra característica necessária, pois o ecossistema nacional ainda não funciona de forma integrada, o que gera dificuldades para quem está começando. “Estamos caminhando para uma nova cultura com cidades que propiciem um ambiente mais empreendedor, como é no Vale do Silício nos Estados Unidos. Em Curitiba, no Paraná, as empresas de base tecnológica ganham incentivos. Ele é pequeno, mas ganham. Vejo que em pouco tempo poderemos exportar produtos com valor agregado, que é uma das coisas que faltam para o Brasil”, diz André Telles, Consultor na área de Marketing e Inovação, e autor juntamente com Carlos Matos da obra, em entrevista ao Mundo do Marketing. Veja a entrevista completa:

Mundo do Marketing: Por que as pessoas costumam acreditar que criar uma startup é algo fácil e de retorno rápido?
André Telles: Algumas pessoas imaginam que uma empresa, principalmente uma empresa de tecnologia, terá sucesso do dia para a noite. O Pinterest é um caso que demorou quase 10 anos para se consolidar. Mas quando aparece na mídia, as pessoas pensam que aquela empresa apareceu em um ano logo se tornou um sucesso. Não foi bem assim. Os fundadores tiveram vários erros e acertos até que chegassem ao formato ideal, pivotaram muito, que é como chamamos a mudança de rumo. Tem casos que achamos que foi um sucesso lá atrás, como o Atari, mas não foi. Até aparece no filme “Jobs” ele comentando sobre a falta de inovação do jogo. É um engano as pessoas acharem que empresas de tecnologia e ligadas ao digital vão ter sucesso da noite para o dia. É uma série de conjunturas que vão levar ao sucesso.

Mundo do Marketing: Qual dever de casa pode ser feito por quem quer abrir uma startup? Existe algum?
André Telles: Sim. É o que chamamos no livro de empreendedor mínimo viável. Ele tem uma série de características como conhecimento, persistência, uma base financeira para aguentar os primeiros momentos e construir seu modelo e plano de negócios. E também que consiga criar um produto mínimo viável que funcione e que até se auto-monetize sem a ajuda de um investidor num primeiro momento. Acreditamos que nem toda startup precisa ter um investidor anjo já logo de cara. O empreendedor deve conseguir com as próprias pernas um mínimo sucesso. E aí ele comprovará para os investidores que é possível ganhar em escala. Apenas uma ideia no papel não funciona mais hoje.

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Mundo do Marketing: Quando uma empresa deixa de ser considerada uma startup? Existe esse momento?
André Telles: O conceito de startup é o de empresa nascente. A partir do momento em que acontecem as contratações e se começar a ter, de fato, um sistema de monetização e um mínimo produto viável funcionando e sistema de precificação correto, e também se há uma base de funcionários, operacional e administrativa, ela passa a ser uma empresa. Mas a definição de startup não é necessariamente essa. Algumas delas nascem se auto-intitulando dessa forma por conta de uma cultura empreendedora, a qual proporciona um ambiente favorável à criatividade e ao desenvolvimento de novas tecnologias e de gestão de inovação.

Mundo do Marketing: Vocês mencionam no livro a importância de um mentor. Como escolhê-lo?
André Telles: A escolha de um mentor tem um peso muito grande, principalmente em relação aos feedbacks que ele pode dar ao produto, à fase de maturação do negócio, ao modelo de negócios, ao planejamento e ao plano de Marketing também. Uma startup pode ter vários mentores de diferentes segmentos. No momento em que o empreendedor toma ciência de que é importante entrar em contato com pessoas que já tiveram experiências similares, que conhecem determinado mercado e que podem auxiliá-lo com influência e network, ele ganha tempo evitando erros.

A grande maioria das startups não tem capital para contratar mentores de peso, então, também vai muito da característica do empreendedor de se aproximar dessas pessoas para que elas acreditem naquela ideia e ajudem de forma espontânea num primeiro momento. Já auxiliei diversas delas porque acreditei na ideia e não cobrei por isso. Mas também existe o outro lado, que é o das pessoas que me contratam como mentor. É um trabalho mais profissional, diferente de um mais espontâneo e sem compromisso.

Mundo do Marketing: Um modelo de negócio exclui um plano de negócio ou não?
André Telles:
Primeiro você define o modelo e, depois, parte para o plano. Acho que seria a ordem mais correta. Eles não se excluem, pois as startups têm usado muito para planejamento o modelo Canvas, que é simples e facilita a visualização. O plano tem que ser vivo e o modelo também para que possam sofrer alterações ao longo do caminho. O que é diferente de escrever um plano de negócios de 200 páginas e ter que reescrevê-lo cada vez que mudar o modelo. O Canvas ajuda, porque as mudanças acontecem muito rápido. O ideal é que o empreendedor busque informações em relação às questões básicas. Ele tem que saber o que é uma matriz Swot e quais são as cinco forças de Porter. Informações administrativas são bastante antigas, mas ainda não caíram em desuso na lógica de uma empresa.

Mundo do Marketing: Vocês dizem no livro que o empreendedor moderno pode e deve contar com a administração clássica.
André Telles: Alguém deixaria de lado um pensador como Philipe Kotler, porque hoje se fala muito em design thinking? Não. Eles se complementam. Alguns conceitos são antigos e só foram reciclados.

Mundo do Marketing: Existe um perfil para o empreendedor mínimo viável? A persistência conta muito?
André Telles: A persistência é importante para o empreendedor, mas ela também tem que ser avaliada para ver se não está equivocada. Muitos deles têm um nível de persistência bastante alto, acreditam tanto naquela ideia que, às vezes, ela está equivocada em algum ponto. E, com uma simples mudança, ela pode ser ajustada, daí a importância de um mentor ou de pessoas que deem feedback. Uma característica importante do empreendedor mínimo viável é aceitar os feedbacks. Pelo menos avaliá-los, não julgá-los. O feedback não deve ser contra-argumentado. Leve aquilo consigo e, se for útil, use. Se não for, pergunte para outras pessoas e deixe de lado. Mas é importante que, pelo menos, o empreendedor tenha a humildade de escutar.

Mundo do Marketing: Estamos na era da supervalorização das ideias e planejamento e organização estão sendo deixados em segundo plano?
André Telles: Sim. Posso ter uma ideia maravilhosa, mas para tirá-la do papel é difícil. Hoje, os investidores querem ver o modelo funcionando, pelo menos minimamente. O que é importante é que ele saiba como aquela startup ganhará em escala de forma rápida e se monetizará. Também não adianta ganhar uma base de usuários gigantesca como o Instagram e achar que vai ser vendido por US$ 1 bilhão para o Facebook. Isso é um caso em milhões, é muito difícil que aconteça.

Mundo do Marketing: Qual é a diferença entre a cabeça do empreendedor brasileiro e a dos estrangeiros?
André Telles: Não acho que a questão seja a cabeça do empreendedor brasileiro. Ela não deixa nada a desejar ao empreendedor de fora. O grande problema está no ecossistema, que não funciona de forma integrada, ou seja, academia, mercado e investidores. A falta de um ambiente propício para empreender é o grande desafio. Mas um empreendedor bem sucedido aqui é bem sucedido em qualquer lugar do mundo.

Em algumas cidades do país estão sendo criados clusters de empreendedores como é no Vale do Silício. Lá, tudo acontece muito mais rápido, porque a conexão entre todos os stakeholders é muito rápida. Todo dia tem evento e algum tipo de palestra. E as empresas já erraram uma, duas vezes e não são julgadas como no Brasil. É uma diferença cultural bastante grande, porque elas são vistas como pessoas que ganharam experiência, porque erraram. Aqui, se uma pessoa erra uma vez, é julgada pela vida inteira.

 


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