Sobre a Copa, as Marcas e Vira-latas 3 de junho de 2014

Sobre a Copa, as Marcas e Vira-latas

         

O Brasil mostrou até agora um viralatismo geral que afetou a autoestima nacional. A marca Brasil sairá arranhada. Tudo isso afeta as empresas que buscam a internacionalização

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Faltam poucos dias para o início da Copa do Mundo do Brasil 2014. Meus alunos e clientes perguntam a minha opinião sobre o que pode acontecer. Eu respondo, com ironia, que estou preocupado com a seleção da Bósnia Herzegovina. Pode dar um trabalho… “Não professor, eu quero saber o que a Copa pode afetar as marcas envolvidas”. Pergunta óbvia para um professor de Branding. Mas pergunta difícil de responder e depende da minha bola de cristal funcionar ou não. A razão é simples. Temos dois cenários possíveis. O primeiro o Brasil ganha a Copa e o país vai flanar em um paraíso dionisíaco por meses, anos, séculos. O segundo cenário é seu oposto, uma depressão profunda, com os sentimentos mais nefastos aflorando.

Independente do resultado, uma marca que já perdeu a batalha da comunicação foi a FIFA. Ela não aprendeu com a experiência da África do Sul, onde foi acusada de ser autoritária e sem ter sensibilidade com as pessoas e com a cultura local. No Brasil, a percepção negativa foi potencializada pelas manifestações de Junho de 2013, onde o termo “Padrão FIFA” de qualidade foi usado pelas pessoas para cobrar o mesmos nível de exigências para a educação e saúde, afetando também os governos envolvidos. 

A célebre frase de Jérôme Valke, Secretário Geral da FIFA "O Brasil precisa de um chute no traseiro" referindo-se à organização e aos preparativos da Copa pelas autoridades brasileiras, já entrou para a história do Mundial. Se Nelson Rodrigues nos ensinou, em 1950, que o Brasil foi humilhado em casa pelo Uruguai e por seu capitão Obdulio Varela: “Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.” Se no passado, foi no campo que levamos os pontapés e fomos derrotados, em 2014 o chute no traseiro começou bem antes. O complexo de vira-latas volta à tona.

A FIFA até poderá ter resultados financeiros fantásticos no Brasil, mas a sua reputação sairá arranhada no Brasil. E como sempre digo, o melhor sinônimo de marca é reputação. Acredito que Blatter sonha com o dia 13 de julho, quando termina o evento. Pois virá a Copa da Rússia em 2018 e a marca FIFA seguirá em frente, mas ele deveria pensar em um reposicionamento dos valores da sua marca.

Marca Brasil
Há 7 anos pensávamos que estávamos a caminho das nações mais desenvolvidas do planeta. Tínhamos a chance de mostrar que além de ser um país fantástico para dar festas, também éramos ótimos para fazer negócios com organização e talento. A chance de mostrar esse novo Brasil e seu novo momento gerou expectativas elevadas nas pessoas, que quando viram os orçamentos milionários e a não conclusão de obras prometidas, acendeu o espírito crítico, provocado por uma profunda sensação de vergonha. É como convidar os amigos para a festa de casamento e a comida não ser entregue. Tivemos 7 anos para organizar o evento e vamos inaugurar obras depois de julho de 2014.

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O Brasil mostrou até agora um viralatismo geral que afetou a autoestima nacional. A marca Brasil sairá arranhada. A opinião pública mundial tem acompanhado as notícias sobre as mortes de operários, as manifestações contra a Copa, os custos, as greves, a violência e o rancor atual. E a experiência dos turistas enfrentando os problemas que os brasileiros encaram diariamente não colaborarão para vender a imagem de um país que está no bom caminho do desenvolvimento. Tudo isso afeta as empresas que buscam a internacionalização. Terão que vender que apesar de serem brasileiras são organizadas e competentes. Exemplos não faltam, Embraer, Weg, Marcopolo, Iochpe-Maxion, Sadia, etc.

As marcas patrocinadoras
Um sinal que algo está diferente nesta Copa, são as vendas na rua 25 de março. Segundo os varejistas, as vendas de artigos relacionados ao evento estão abaixo dos resultados obtidos no mesmo período de 2010 na copa africana. Mas a Copa é aqui? Não iríamos ter uma overdose de verde amarelo nas ruas? Parece que os brasileiros estão com vergonha de comemorar o evento publicamente. As pesquisas mostram um país dividido entre os que apoiam a copa e os que estão contra. Um país que foi tomado pela febre de um álbum de figurinhas, mas este mesmo povo queima-o em praça pública, como uma bandeira de um país inimigo.

As principais marcas patrocinadoras como Itaú, Johnson & Johnson, Coca-Cola, McDonald’s, Budweiser, Visa estão fazendo o que tem que fazer. Investiram pesado nos acordos de propaganda e agora querem mostrar a Copa pelo lado emocional e apaixonante do futebol. Associar a imagem das marcas a um evento como a Copa gera uma série de oportunidades, principalmente o engajamento com os torcedores. Se o Brasil vencer a Copa, teremos um “esticamento” das ações de comunicação focadas em futebol durante o ano inteiro.

Continuando em 2015, 16, 17 aproveitando-se da felicidade geral da nação. Esqueceremos os problemas da organização, seremos ufanistas, o melhor futebol do universo. Faremos piadas sobre Argentina. Tudo previsível. Mas se perdermos, as marcas patrocinadoras irão publicar anúncios motivadores no dia seguinte, tipo “Valeu, Brasil”. E as empresas mudarão suas campanhas institucionais rapidamente, para tirar o gosto da derrota da boca. As marcas não querem ser associadas às derrotas.

Os jogadores como Marcas
Voltando a Nelson Rodrigues: “A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, (a copa de 1950) ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande”. Se este foi o sentimento resultante do Maracanaço em 50, qual será o sentimento coletivo dos brasileiros? Gastamos todos esses bilhões de reais nas obras para perder a Copa?

As marcas que podem ser fortemente afetadas são as marcas dos próprios jogadores.  Pessoas também são marcas e em nossa sociedade de consumo, os jogadores de futebol são mercadorias valiosas. Vendem suas personalidade para as marcas de produtos e serviços, fazendo um transferência de imagem do ser vivo para o ser inanimado. Em caso de vitória do Brasil, nossos jogadores irão direto para o Olimpo. Serão louvados como semideuses e cansaremos de ver sua presença endossando desde tênis até sabão em pó. A imagem de Tiago Silva erguendo a taça será repetida por séculos, ad nauseam. David Luiz fará propaganda de alisante para cabelos. E a cueca da sorte de Neymar será objeto de cobiça de todos os torcedores brasileiros.

Mas em caso de derrota, os jogadores irão direto para o submundo do Hades, do inferno de Dante (o escritor e não o jogador). Como “marcas” os jogadores serão os maiores prejudicados. Os contratos de propaganda desaparecerão e junto com eles, a exposição na mídia e seu faturamento no Brasil.

Os leitores podem achar que estou sendo exagerado. A perda do título na França não impediu que Ronaldo Fenômeno e outros jogadores de 1998 se recuperassem em 2002 na Copa do Japão e Coreia do Sul. A diferença é perder no território nacional. Os jogadores de 1950 foram esquecidos pela história, muitos tiveram problemas psicológicos e viraram marginais do esporte. Imagine na Copa de 2014? O que pode acontecer, quando os ânimos do povo estão tão exacerbados?

Como sou torcedor, vou repetir as palavras de Nelson Rodrigues escritas antes da ida da seleção de 1958 para a Suécia, onde o time ganha a nossa primeira copa: “Só imagino uma coisa: — se o Brasil vence na Suécia, se volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.”

Será que teremos hospícios para 200 milhões em 2014?

Copa do Mundo, Place Branding


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