<p><strong>Quem comanda as decis&otilde;es de consumo? </strong></p><p>Por Paulo Vieira de Castro*</p><p>Alguns mecanismos de tomada de decis&atilde;o em ambientes de comportamento motivado est&atilde;o j&aacute; catalogados pelas neuroci&ecirc;ncias, sendo muitas empresas que se debru&ccedil;am&nbsp; sobre o mais complexo paradigma do comportamento humano; o consumo. Esta investiga&ccedil;&atilde;o &eacute; suportada, desde h&aacute; v&aacute;rios anos, por modernas tecnologias psicol&oacute;gicas e por m&aacute;quinas de uso convencional na medicina, como a tomografia ou a resson&acirc;ncia magn&eacute;tica. Ligar indiv&iacute;duos a m&aacute;quinas de scanner cerebral, ao mesmo tempo que&nbsp; observam marcas, videoclips publicit&aacute;rios, discursos pol&iacute;ticos, traillers cinematogr&aacute;ficos, etc., &eacute; um procedimento que permite aos pesquisadores observar a excita&ccedil;&atilde;o que ocorre ao n&iacute;vel dos circuitos cerebrais. Um dos objetivos destas experi&ecirc;ncias passa pela tentativa de descodificar os mecanismos de fideliza&ccedil;&atilde;o de grupos de consumidores alvo.</p><p>Grande parte das motiva&ccedil;&otilde;es que levam &agrave; compra partem do inconsciente humano, assim, num futuro pr&oacute;ximo, os m&eacute;todos tradicionais de estudo do comportamento do consumidor ser&atilde;o substitu&iacute;dos pelo scanner da mente, permitindo, do ponto de vista da aplica&ccedil;&atilde;o neuroecon&oacute;mica, investigar quest&otilde;es como a satisfa&ccedil;&atilde;o, a gan&acirc;ncia, o altru&iacute;smo, a raiva ou o medo. </p><p>No futuro, muitas das maiores organiza&ccedil;&otilde;es ter&atilde;o um departamento de neuroci&ecirc;ncias, cuja import&acirc;ncia ser&aacute; determinante na investiga&ccedil;&atilde;o mercadol&oacute;gica, tornando-se uma importante ferramenta de suporte do processo de decis&atilde;o estrat&eacute;gica, destacando-se como uma potente t&eacute;cnica de inqu&eacute;rito. Compreender parte das emo&ccedil;&otilde;es vividas durante as experi&ecirc;ncias de consumo, s&oacute; foi poss&iacute;vel colocando a neuroci&ecirc;ncia ao servi&ccedil;o de organiza&ccedil;&otilde;es multinacionais, surgindo deste encontro o neuromarketing, que nada mais &eacute; do que o estudo neurol&oacute;gico do estado mental dos indiv&iacute;duos, quando expostos a mensagens relacionadas com experi&ecirc;ncias de consumo.</p><p>Desde o ano de 2001 que o scanner da mente tem vindo a ser utilizado um pouco por todo o mundo. O processo, na pr&aacute;tica, &eacute; muito simples de entender, pretendendo-se que os investigadores possam identificar as partes do c&eacute;rebro que s&atilde;o estimuladas durante as experi&ecirc;ncias de consumo, descodificando padr&otilde;es de comportamento inconscientes. Observar os campos el&eacute;tricos do c&eacute;rebro torna-se mais cred&iacute;vel que o processamento estat&iacute;stico, realizado em torno de question&aacute;rios tipo ou de entrevistas de grupo. </p><p>A raz&atilde;o que fundamenta esta moderna e potente ferramenta de an&aacute;lise relaciona-se com a id&eacute;ia que a linguagem se desenvolve a partir de si mesma, ou seja, o que eu falo funciona, tantas vezes, ao rev&eacute;s do que penso. As d&uacute;vidas que se levantam para os analistas de marketing prendem-se com a possibilidade de as respostas aos question&aacute;rios n&atilde;o serem sinceras, ou mesmo, com a hip&oacute;tese de em sess&otilde;es de grupo existir a probabilidade de um, ou mais, de entre os entrevistados, tentarem influenciar a restante amostra.</p><p>V&aacute;rios estudos da &aacute;rea das neuroci&ecirc;ncias confirmam o que h&aacute; muito se desconfiava relativamente &agrave; rela&ccedil;&atilde;o que estabelecemos com o consumo. Este &eacute;, segundo Montagne, do Baylor College of Medicine (EUA), tudo menos racional. As experi&ecirc;ncias de Montagne tornaram-se cl&aacute;ssicos do neuromarketing, apontando as decis&otilde;es de consumo como ligadas ao comportamento meramente emotivo. Ao realizar os j&aacute; cl&aacute;ssicos testes cegos com os populares refrigerantes Coca-Cola e Pepsi, foi poss&iacute;vel evidenciar as zonas do c&eacute;rebro que s&atilde;o respons&aacute;veis pela influ&ecirc;ncia inconsciente durante experi&ecirc;ncias de consumo. Quando os volunt&aacute;rios sabiam que estavam bebendo Coca-Cola, independentemente da sua prefer&ecirc;ncia pela marca, acendiam-se as zonas do c&eacute;rebro onde se movimentam as emo&ccedil;&otilde;es e o afeto. Se este mesmo grupo de indiv&iacute;duos bebia Coca-Cola por copos n&atilde;o identificados, as zonas do c&eacute;rebro, anteriormente identificadas, n&atilde;o se iluminavam.</p><p>Concluiu-se que neste caso a prefer&ecirc;ncia da amostra estava relacionada com a identifica&ccedil;&atilde;o da marca e n&atilde;o com o sabor. A rela&ccedil;&atilde;o psicol&oacute;gica, emocional, cultural, etc., que temos com os produtos, suplanta os valores que nos s&atilde;o transmitidos atrav&eacute;s do gosto ou do aroma. N&atilde;o &eacute; o paladar que conta, mas a marca, ou a constru&ccedil;&atilde;o inconsciente que dela temos. Um outro exemplo cl&aacute;ssico s&atilde;o as experi&ecirc;ncias realizadas nos EUA a prop&oacute;sito do 11 de Setembro. Analisaram-se os impulsos el&eacute;tricos cerebrais de republicanos e democratas quando confrontados com imagens de terror relacionadas com os atentados deste fat&iacute;dico acontecimento. </p><p>A &aacute;rea do c&eacute;rebro associada ao medo acendia-se mais vivamente nos democratas convictos que nos republicanos. O neuromarketing permite, igualmente, analisar decis&otilde;es de investimento. Cl&aacute;ssicos s&atilde;o, igualmente, os estudos que mediram a atividade cerebral de homens e mulheres enquanto jogavam o Investiment Game. Curioso &eacute; observar que a atividade cerebral dos homens &eacute; substancialmente reduzida a partir do momento em que tomam a decis&atilde;o, ao contr&aacute;rio das mulheres, que demonstram uma atividade cerebral cont&iacute;nua em tr&ecirc;s &aacute;reas distintas: uma, que concentra a recompensa, outra que tem a ver com o planejamento e a organiza&ccedil;&atilde;o, e uma &uacute;ltima &aacute;rea onde se calcula e monitoriza as desordens obsessivas-compulsivas. </p><p>O reconhecimento de tais diferen&ccedil;as em pouco ajudam ao entendimento a prop&oacute;sito do impulso primordial que comanda homens e mulheres em momentos de consumo. As limita&ccedil;&otilde;es do neurobusiness s&atilde;o evidentes, j&aacute; que este n&atilde;o consegue prever as mudan&ccedil;as de comportamento, assim como n&atilde;o lhe &eacute; poss&iacute;vel mudar as convic&ccedil;&otilde;es dos consumidores. Dado que se trata de uma t&eacute;cnica descritiva, n&atilde;o destrutiva, pensada para analisar o comportamento do c&eacute;rebro, n&atilde;o pode induzir comportamentos nos consumidores. O neuromarketing mapeia o processo mental em torno dos benef&iacute;cios&nbsp; que poder&atilde;o levar o cliente a comprar uma determinada marca; todavia, n&atilde;o o pode obrigar a consumir.</p><p>O neurobusiness &eacute; freq&uuml;entemente confundido com outras aplica&ccedil;&otilde;es tecnol&oacute;gicas ao n&iacute;vel cerebral. Referimo-nos, em especial, &agrave; e-terapy. Trata-se de t&eacute;cnicas psicol&oacute;gicas, associadas a software especializado, cujo principal objetivo passa por reprogramar o c&eacute;rebro humano de forma a faz&ecirc;-lo esquecer traumas, medos, dores cr&ocirc;nicas, iludindo alguns dos estados de esp&iacute;rito mais indesej&aacute;veis. Alguns cr&iacute;ticos estimam que, no futuro, estas tecnologias poder&atilde;o ser usadas para estimular a atividade em zonas do c&oacute;rtex associadas a emo&ccedil;&otilde;es ou, ainda, para aumentar ou diminuir a tens&atilde;o ao n&iacute;vel do impulso racional, envolvendo o consumidor em estados emocionais prop&iacute;cios a determinados h&aacute;bitos de consumo. </p><p>Uma outra possibilidade de influ&ecirc;ncia tecnicamente assistida do comportamento humano, salientada pelos cr&iacute;ticos do neurobusiness, prende-se com os chips que s&atilde;o j&aacute; aplicados de forma promissora em c&eacute;rebros de doentes com Parkinson, ou com traumas ao n&iacute;vel obsessivo-compulsivo. Seria eticamente reprov&aacute;vel que estas tecnologias fossem utilizadas com outros prop&oacute;sitos que n&atilde;o os m&eacute;dicos.</p><p>H&aacute; muitos anos que algumas empresas de comunica&ccedil;&atilde;o come&ccedil;aram a desenvolver esfor&ccedil;os no sentido de atingir a mente dos consumidores atrav&eacute;s de programa&ccedil;&atilde;o dedicada ao subconsciente. Talvez este motivo seja suficiente para refletirmos a prop&oacute;sito das inten&ccedil;&otilde;es que est&atilde;o por detr&aacute;s de algumas mensagens publicit&aacute;rias.<br />Atualmente, existe uma corrente de opini&atilde;o que d&aacute; conta de um novo horizonte da decis&atilde;o humana, levantando-se a possibilidade dos segredos das decis&otilde;es de consumo poderem estar associados ao sistema prim&aacute;rio da motiva&ccedil;&atilde;o inconsciente. Assim, longe da express&atilde;o do exclusivo interesse racional do ser humano, ou do campo emocional, torna-se priorit&aacute;rio o estudo da emancipa&ccedil;&atilde;o das regi&otilde;es mais primitivas do c&eacute;rebro.</p><p>Os mecanismos humanos de decis&atilde;o poder&atilde;o genericamente estar relacionados com tr&ecirc;s &aacute;reas distintas do c&eacute;rebro com fun&ccedil;&otilde;es diferenciadas. Resumidamente poderemos referir a exist&ecirc;ncia de um c&eacute;rebro novo, de um c&eacute;rebro do meio e de um velho c&eacute;rebro. O c&eacute;rebro novo ser&aacute; respons&aacute;vel pelas &aacute;reas da investiga&ccedil;&atilde;o, da l&oacute;gica e da dedu&ccedil;&atilde;o. Logicamente, qualquer um ser&aacute; capaz de deduzir que n&atilde;o &eacute; prudente viajar de autom&oacute;vel ao dobro da velocidade aconselhada por lei (exerc&iacute;cio projetado no novo c&eacute;rebro); contudo, h&aacute; muita gente a faz&ecirc;-lo sob pena de colocar v&aacute;rias vidas em perigo. O mesmo poderemos dizer quanto &agrave;s decis&otilde;es de consumo. Quantas s&atilde;o tomadas de forma inexplic&aacute;vel? Estes exemplos remetem-nos para a necess&aacute;ria exist&ecirc;ncia de outros campos cerebrais para al&eacute;m do racional. </p><p>Assim, para al&eacute;m do novo c&eacute;rebro, reconhece-se o c&eacute;rebro do meio, onde vamos encontrar as emo&ccedil;&otilde;es e os sentimentos. Aqui s&atilde;o ainda partilhadas as suas descobertas com os outros dois c&eacute;rebros. Existe, igualmente, o velho c&eacute;rebro, o mais profundo, o respons&aacute;vel por nos mantermos vivos. Aqui poderemos encontrar o que Jung relacionou com a heran&ccedil;a hist&oacute;rica de todas as civiliza&ccedil;&otilde;es. O c&eacute;rebro reptil&aacute;rio, o dos nossos antepassados, poder&aacute; ser grandemente respons&aacute;vel pelas decis&otilde;es de consumo. Assim, chegar ao c&eacute;rebro primitivo permitir-nos-&aacute; compreender os pr&oacute;prios mecanismos de sobreviv&ecirc;ncia humana e conseq&uuml;entemente avan&ccedil;ar no conhecimento sobre a evolu&ccedil;&atilde;o da humanidade.</p><p>Ser&aacute; que &eacute; ao n&iacute;vel do velho c&eacute;rebro que vamos encontrar a mais antiga mistifica&ccedil;&atilde;o dos publicit&aacute;rios, aquilo a que estes chamam de buy botton? Talvez o ser humano n&atilde;o tenha nascido para consumir; no entanto, ser&aacute; interessante estudar a possibilidade de existir no Homem um impulso natural de poder, que o empurre, em dire&ccedil;&atilde;o ao consumo, isto como forma manifesta de disputa do poder pela compra.</p><p>*Paulo Vieira de Castro &eacute; Diretor do Centro de Estudos Aplicados em Marketing do Instituto Superior de Administra&ccedil;&atilde;o e Gest&atilde;o do&nbsp; Porto &ndash; Portugal. Ele tamb&eacute;m atua como consultor de empresas. &Eacute; mestre em markting e professor do Ensino Superior. Contato: <a href="mailto:[email protected]">[email protected]</a> ou <a href="http://www.paulovieiradecastro.com" target="_blank">www.paulovieiradecastro.com</a></p>
Quem comanda as decisões de consumo?
5 de julho de 2007