<p class="titulomateria">Propaganda para crian&ccedil;as: vil&atilde; ou mocinha?</p> <p>Por Erika Herkenhoff*</p> <p>Um dos recentes conselhos de Philip Kotler para se praticar o Marketing do futuro &eacute; construir no pensamento das empresas a pr&aacute;tica da sustentabilidade. Nesse caso, ele falava de um ambiente globalizado e de muta&ccedil;&otilde;es ambientais, tais como o aquecimento global. Mas, se pensarmos que o mesmo consumidor que aderiu &agrave; &ldquo;onda verde&rdquo; – e cada vez mais vai julgar companhias por seu desempenho com respeito ao uso s&aacute;bio e eficiente dos materiais e dos processos de produ&ccedil;&atilde;o – &eacute; o mesmo que procria e, portanto, que tem crian&ccedil;as em casa, provavelmente vamos constatar que ele vai exigir posturas respons&aacute;veis das marcas que se dirigem aos seus filhos.</p> <p>O senso cr&iacute;tico faz parte das tend&ecirc;ncias de comportamento em nove entre 10 estudos sobre o novo consumidor, atingindo at&eacute; mesmo as classes sociais menos abastadas. O mesmo ser que come&ccedil;a a reciclar o lixo da sua casa e a usar a sacola de pano para fazer compras no mercado, tamb&eacute;m deixa de se posicionar como um alvo submisso diante da propaganda. E, como sujeito ativo de escolhas, vai cobrar mais consci&ecirc;ncia das empresas quando elas se dirigirem aos seus herdeiros. A&iacute; imagino que faltar&aacute; espa&ccedil;o para as marcas que n&atilde;o respeitem a condi&ccedil;&atilde;o fr&aacute;gil da crian&ccedil;a, tanto quanto faltou para produtos com CFC &ndash; o g&aacute;s que acabava com a camada de oz&ocirc;nio.</p> <p>A quest&atilde;o &eacute;: o quanto uma lei para regulamentar o que &eacute; bom ou ruim em propaganda cerceia o direito de livre express&atilde;o? E se existirem &oacute;rg&atilde;os que ajudem a classe publicit&aacute;ria a conter seu &iacute;mpeto maligno de incentivar criancinhas a se jogarem no ch&atilde;o por necessitarem ardentemente de biscoitos que v&ecirc;m com bonequinhos? E se a propaganda for s&oacute; no hor&aacute;rio em que os pais estiverem presentes para poderem opinar, conversar e conduzir seus filhos a exercitarem o poder de pensar?</p> <p>N&atilde;o sei se estamos subestimando a capacidade de defesa emocional do consumidor ou nos omitindo diante de um fato mais cruel: existem crian&ccedil;as que n&atilde;o est&atilde;o com seus pais por perto o dia todo para lhes ajudar a exercer seu senso cr&iacute;tico e agu&ccedil;ar sua curiosidade para as coisas do mundo. E a&iacute; entram dois sub-grupos bem distintos: o das crian&ccedil;as com op&ccedil;&atilde;o de lazer, cujos pais podem vencer o cansa&ccedil;o de um fim de dia de trabalho e usar seu tempo livre para conversar, brincar ou passear com seus filhos; e o das crian&ccedil;as que n&atilde;o t&ecirc;m outra op&ccedil;&atilde;o sen&atilde;o uma TV. S&atilde;o as milhares de crian&ccedil;as que moram em condi&ccedil;&otilde;es prec&aacute;rias e a quem falta tudo, menos uma telinha que as leva direto para um mundo de sonhos onde tudo &eacute; poss&iacute;vel.&nbsp;</p> <p>Tentando sair da crise<br />Todos sabem que, na inf&acirc;ncia, somos suscet&iacute;veis &agrave; fantasia e n&atilde;o conseguimos diferenciar de forma efetiva o que &eacute; real da imagina&ccedil;&atilde;o. O artigo 36 do C&oacute;digo de Defesa do Consumidor diz que a publicidade deve ser facilmente percebida como tal. Por&eacute;m, com quantos anos passamos a fazer essa distin&ccedil;&atilde;o? De acordo com um projeto chamado Crian&ccedil;a e Consumo, do Instituto Alana, &ldquo;Crian&ccedil;as de at&eacute; seis anos n&atilde;o possuem a representa&ccedil;&atilde;o simb&oacute;lica necess&aacute;ria para o entendimento do valor do dinheiro, isto &eacute;, n&atilde;o conseguem ainda saber se algo &eacute; caro ou barato, pois a sua capacidade de entender os s&iacute;mbolos est&aacute; em forma&ccedil;&atilde;o&rdquo;. Logo, imagino que, sem fazer essa l&oacute;gica, n&atilde;o h&aacute; entendimento concreto sobre necessidades de &ldquo;ter&rdquo; algo, muito menos se o &ldquo;ser&rdquo; est&aacute; associado ao &ldquo;ter&rdquo;, que &eacute; o princ&iacute;pio b&aacute;sico da sedu&ccedil;&atilde;o da propaganda.</p> <p>Logo, se a publicidade provoca o nexo causal de que para &ldquo;ser algu&eacute;m&rdquo; &eacute; preciso &ldquo;ter algo&rdquo; &ndash; e se a crian&ccedil;a n&atilde;o tem o poder de neutralizar esse pensamento como um adulto faz quando n&atilde;o quer fazer parte do truque &ndash; podemos considerar que &eacute; errado submeter crian&ccedil;as &agrave; propaganda.</p> <p>E se formos relevantes na forma&ccedil;&atilde;o desses seres? Se fizermos propostas publicit&aacute;rias justas, que incentivem as crian&ccedil;as a discutir temas importantes para seu futuro e da humanidade? Se os produtos que vendermos os fizerem brincar de forma que desenvolvam valores como a toler&acirc;ncia, a solidariedade e a paz? Se a composi&ccedil;&atilde;o do salgadinho tiver menos gordura trans e pudermos dormir tranq&uuml;ilos porque nossas crian&ccedil;as n&atilde;o foram incentivadas a comer algo que mata do cora&ccedil;&atilde;o?</p> <p>Resta a n&oacute;s a escolha: querer fazer, ou n&atilde;o, parte de uma classe satanizada. H&aacute; quem prefira fazer parte da ind&uacute;stria que usa como combust&iacute;vel a informa&ccedil;&atilde;o &ndash; uma m&aacute;quina que movimenta mais de 57 bilh&otilde;es de reais por ano no Brasil e que pode ser pr&oacute;spera sem deixar de ser &eacute;tica. Assim, passamos a integrar um grupo capaz de fazer comunica&ccedil;&atilde;o que n&atilde;o precisa ser censurada porque entende sozinha o limite do bom senso.</p> <p>Afinal, podemos assumir compromissos simples com aqueles que vamos deixar para o mundo: que a propaganda vai existir como complemento de atividades l&uacute;dicas, vai ajudar a desenvolver nas crian&ccedil;as a capacidade de negocia&ccedil;&atilde;o e ser uma op&ccedil;&atilde;o saud&aacute;vel de mostrar que a vida &eacute; cheia de escolhas. Mais do que assumir um lado nessa hist&oacute;ria, faz bem participar da discuss&atilde;o. Se fizermos isso com leis, auto-regulamenta&ccedil;&atilde;o ou debates, j&aacute; avan&ccedil;amos, porque colocamos um assunto importante em pauta. Quando o assunto &eacute; a garotada, estamos falando sobre o nosso futuro. Se n&atilde;o tivermos um presente que respeite a condi&ccedil;&atilde;o da crian&ccedil;a de fazer descobertas no seu pr&oacute;prio tempo, ent&atilde;o n&atilde;o temos um futuro digno.&nbsp;</p> <p>* Erika Herkenhoff &eacute; diretora-executiva da Competence Paran&aacute;. E-mail: <a href="mailto:[email protected]">[email protected]</a></p>
Propaganda para crianças: vilã ou mocinha?
30 de julho de 2008