Por que tanta pressa? 10 de novembro de 2010

Por que tanta pressa?

         

Prazos cada vez mais apertados. Pressões de entrega cada vez mais sufocantes. Cobranças por uma rapidez que se torna incompatível com a qualidade exigida na entrega. Mas por que tanta pressa?

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<p>Por Betty Wainstock e Ricardo de Castro*<br /> <br /> O cliente telefona às 16h de sexta-feira.</p> <p style="margin-left: 40px;">- Preciso contratar uma pesquisa.<br /> – Pois não, quando podemos marcar a reunião de briefing?<br /> – Agora mesmo, às 17h. Mas precisa ser pelo telefone ou posso te passar por e-mail. Preciso que o campo seja realizado no fim de semana e os resultados apresentados na segunda de manhã, às 9h.</p> <p>Parece piada, mas é quase realidade. Quem trabalha com pesquisa, planejamento e publicidade entende bem do que estamos falando. Prazos cada vez mais apertados. Pressões de entrega cada vez mais sufocantes. Cobranças por uma rapidez que se torna incompatível com a qualidade exigida na entrega. Mas por que tanta pressa? Quantas coisas se perdem nesta exagerada cobrança por uma “eficiência” que acaba se tornando absolutamente ineficiente?<br /> <br /> É claro que em algumas profissões, a pressa é indispensável. É o caso de bombeiros, policiais ou médicos, que precisam de velocidade para atender emergências e salvar vidas. Ou os atletas que competem com velocidade. No entanto, transportando tudo isso para outros tipos de atividade profissional como a nossa, sabemos que se pedimos um prazo de alguns dias adicionais para concluir um trabalho, corremos o risco de sermos taxados de lentos.<br /> <br /> Enquanto especialistas em pesquisa de mercado, acreditamos que os resultados dos estudos contratados devem ser melhor avaliados, mais mastigados e degustados, com tempo hábil para se obter insights relevantes que ajudem os nossos clientes a terem uma visão inovadora do que foi pesquisado. Infelizmente, todos os pedidos que chegam “são para ontem”. Os prazos atropelam a capacidade de se fazer uma leitura profunda do conteúdo, prejudicando assim as análises e o próprio projeto.<br /> <br /> E isso não acontece somente no campo profissional. As crianças e jovens “de hoje” parecem estar sendo “treinados” para enfrentar este ritmo acelerado do mercado. Fala-se muito hoje em dia da geração “multitarefa”, dos jovens que fazem tudo ao mesmo tempo: enquanto estudam para a prova do dia seguinte, teclam com 12 amigos simultaneamente no MSN, ouvindo música no rádio, com a TV ligada, navegando por dez sites diferentes, enquanto o celular está em um ouvido e o ipod em outro. <br /> <br /> Diante deste fenômeno da “multitarefa” que invadem impiedosamente nossa rotina e tiram o nosso sono, parece-nos importante compartilhar com os leitores o que o jornalista canadense Carl Honoré relata em seu livro “Devagar – Como um Movimento Mundial Está Desafiando o Culto à Velocidade (editora Record)”. A vontade do autor de abordar este tema surgiu quando ele encontrou um artigo no jornal com o seguinte título: “Como contar histórias para adormecer os filhos em apenas um minuto”. A primeira reação de Honoré foi de muito interesse, afinal de contas, tudo o que ele precisava naquele momento era aprender como fazer “aquilo” para agilizar esta “tarefa” e “ganhar tempo”. No entanto, quando refletiu um pouco mais a respeito, acabou se dando conta de como isso “encurtaria” um momento único com as pessoas que mais amava. <br /> <br /> Honoré pesquisou diversos movimentos da onda “Devagar”. Descobriu que, na Áustria, existe a “Sociedade Para a Desaceleração do Tempo”, no Japão existe o Clube da Preguiça e, na Itália, surgiu o movimento Città Slow (cidade lenta) que criou a regra de fechar o centro da cidade ao trânsito um dia por semana para incentivar os passeios a pé, de bicicleta ou patins, e adotar políticas estruturais para conservar as características da cidade. As Cidades Slow procuram preservar o patrimônio gastronômico, criando espaços e ocasiões para o contato direto entre consumidores e produtores de qualidade. Existe também uma associação internacional muito conhecida, chamada Slow Food, em oposição ao Fast Food. A intenção é fazer com que as pessoas consigam apreciar a boa mesa, com bons vinhos e boa companhia, desfrutando da comida em longas conversas com amigos e familiares. No Brasil, alguns restaurantes já aderiram ao conceito de servir pratos tradicionais, feitos sem pressa, com ingredientes de preferência orgânicos e naturais da região, num ambiente que estimula a conversa afável e prolongada. <br /> <br /> Outros grupos lutam para que os trabalhadores tenham tempo para suas famílias, como é o caso do Putting Family First (Colocando a Família em Primeiro Lugar) e o Timing for Family (Tempo para a Família). Carl Honoré diz que viver devagar significa nunca se afobar, nunca tentar ganhar tempo só para ganhar tempo. Significa manter-se calmo e imperturbável, mesmo quando as circunstâncias nos obrigam a apressar as coisas. <br /> <br /> O grande problema é que as pessoas se sentem culpadas quando “desaceleram”. Passam a se cobrar sentindo que não estão “trabalhando o suficiente” ou que estão simplesmente desperdiçando tempo. Perderam a capacidade de se desligar. Ao contrário, se encontram uma brecha na agenda, em vez de respirarem aliviadas, imediatamente a preenchem com outra atividade. Ninguém consegue ficar sem fazer nada só para recarregar as baterias. <br /> <br /> Se as pessoas estão dirigindo, precisam falar no celular ao mesmo tempo, o que, aliás, é extremamente perigoso. Se estão em um restaurante, precisam ler o jornal ou consultar o notebook enquanto aguardam o prato. Se tiram férias, levam em sua mala o computador e doze relatórios para colocar em dia. Se vão para um hotel afastado de tudo e de todos, buscam estímulos para terem “o que fazer”. O desejo de “ganhar tempo” é tão doentio que hoje em dia, nos EUA, já existem missas fúnebres drive-thru em que são prestadas as condolências aos parentes do morto de dentro do carro. <br /> <br /> Vamos tentar fazer tudo um pouco mais devagar. E absorver as informações que nos chegam com mais qualidade. Fica então o nosso convite para uma pausa. No campo profissional, uma pausa para planejar em detalhes cada projeto, contratar fornecedores de primeira linha, ter insights diferenciados (sob pressão ninguém gera um brainstorming eficiente), pesquisar com profundidade, reler o material com oito olhos e depois reler novamente com dezesseis olhos.<br /> <br /> No campo pessoal, uma pausa para respirar. Para aprender a meditar. Para se concentrar e se entregar. Para colocar mais energia no presente. Para focar o “aqui e agora”. Para se conectar com “o eu” e com os outros. Para conversar mais devagar com aquele amigo que te procurou para pedir um conselho. Para ouvir mais devagar os seus pais que telefonam para saber se tudo está bem. Para não apressar os momentos sagrados com os filhos, para beijar mais devagar suas bochechas e abraçar mais devagar a vida, que passa tão depressa.<br /> <br /> * Betty Wainstock é Diretora de Pesquisa de Marketing da Ideia Consumer Insights e professora de Pesquisa Qualitativa do curso Bootcamp, da Escola Superior de Propaganda & Marketing (ESPM). Formada em psicologia pela UFRJ e Doutoranda em psicologia pela PUC-Rio na área de tecnologias, comunicação e subjetividade.<br /> <br /> * Ricardo de Castro é Diretor de Planejamento e Inteligência Digital da Ideia Consumer Insights, aprovado para o Doutorado da ECO-UFRJ, sendo Mestre em Comunicação Social e Cultura pela ECO/UFRJ, Mestre em Psicologia pela PUC-RIO e MBA pela COPPEAD. É Professor de Pós-Graduação da FGV-Management.</p>


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