Plataforma de interação digital é tão importante quanto a fabricação de produtos 17 de fevereiro de 2011

Plataforma de interação digital é tão importante quanto a fabricação de produtos

         

Transformação demográfica e tecnológica acelera mudanças, aponta Marcelo Coutinho

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<p>A mudança que a digitalização do mundo promove nas empresas é muito mais profunda do que podemos imaginar. A internet se incorpora a tudo e muda uma série de relações que são construídas a partir das plataformas de comunicação, aponta Marcelo Coutinho, Diretor de Inteligência de Mercado do Terra para a América Latina. A linguagem tradicional do Marketing não é mais capaz de atender a um novo mundo que surge. É preciso criar uma plataforma de interação que será tão importante quanto pensar na linha de montagem de uma indústria. <br /> <br /> De acordo com o também professor da Fundação Getúlio Vargas e da ESPM, a maior parte dos processos organizacionais, de Marketing e de avaliação de retorno sobre o investimento, estão calcados num modelo que não é adequado para refletir a nova realidade. “Não é mais impactar o target, mas sim dialogar com os stakeholders”, aponta um dos mais respeitados especialistas do mundo digital em entrevista ao Mundo do Marketing. <br /> <br /> Para Coutinho, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo, o grande desafio do Marketing hoje é conciliar as métricas de retorno sobre o investimento com as métricas de retorno sobre influência e mostrar que isso contribui positivamente para a marca. “O impacto é grande e vai além do Marketing. Tem que mudar todos os processos e a estrutura da empresa. Não basta olhar a quantidade, porque você estará repetindo o modelo do broadcast. O que estamos fazendo é aplicar medidas de retorno financeiro do mundo broadcast em cima de métricas sociais de um mundo de interações e aí a conta não fecha”. <br /> <br /> Mudar é um caminho sem volta para a empresa que deseja se perpetuar. Não é uma questão de opção, uma vez que o Brasil terá, nos próximos 20 anos, um consumidor cuja vida passa pela internet 24 horas por dia. “Teremos uma transformação demográfica nos próximos anos, haverá uma geração que terá a internet como meio predominante e que assumirá o mercado de consumo. É um fator demográfico e não há nada que as empresas possam fazer senão se adaptar”, aponta Marcelo Coutinho. Acompanhe a entrevista. <br /> <br /> <strong><img alt="Plataforma de interação digital será tão importante quanto a de produção de produtos" align="left" width="330" height="440" src="/images/materias/marcelo_coutinho_materia.jpg" />Mundo do Marketing: Como o avanço da mídia social vai impactar as empresas daqui para frente?</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> Estamos assistindo a um choque entre modelo de negócio, redes de computadores e redes sociais. Tínhamos uma maneira e uma estrutura de fazer negócios pensados para um determinado sistema de relacionamento e um determinado sistema econômico. Esse sistema está sendo colocado em questão por causa de um brutal avanço das tecnologias. Só para ter uma ideia, o preço da banda larga no ano de 2000 era de R$ 125,00 por 256kbps de conexão. Trazendo isso para o preço atual, seria algo em torno de R$ 290,00. O custo de transmissão de informação reduziu drasticamente o custo de produção e distribuição. E uma marca é informação sobre alguma coisa. Isso impacta na maneira como se constrói a marca. Ao lado disso há o fenômeno da organização da sociedade, com um consumidor mais crítico e mais consciente. Um outro fator é a própria transformação das empresas decorrente da globalização econômica.<br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: O modelo mudou, mas não necessariamente as empresas mudaram. Esse talvez seja o grande problema atual?</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho: </em>Esse é o grande choque. A maior parte dos nossos processos organizacionais, de Marketing e de avaliação de retorno sobre o investimento, estão calcados num modelo comercial que não é adequado para refletir a nova realidade. Ele não dá mais conta desta múltipla realidade e necessita ser adaptado. O que vemos hoje são empresas se comportando diante deste cenário como se fosse uma simples questão de transpor conceitos do sistema comunicacional anterior para o novo. Hoje, antes de se ter uma impressão sobre o produto, a pessoa já foi no Google e viu o que dizem sobre ele. A internet se incorpora a tudo e muda uma série de relações que são construídas através das plataformas de comunicação. <br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: A internet transforma a forma de comunicação da marca e o relacionamento com a empresa.</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> Ela cria um novo cenário, um novo jogo. As interações das pessoas através dos meios digitais começam a se equivaler em importância às interações que elas têm com o conteúdo tradicional. Nos Estados Unidos e na Europa, a internet já é o meio predominante para toda a população abaixo de 30 anos. No Brasil, onde teremos uma transformação demográfica nos próximos anos, haverá uma geração com este perfil que assumirá o mercado de consumo nos próximos 20 anos. É um fator demográfico e não há nada que as empresas possam fazer senão se adaptar. Isso gera um hiato cultural, porque os gestores destas empresas são pessoas de 40 anos para cima e se formaram em outro ambiente. <br /> <br /> Antes, era um canal de televisão, dois jornais, uma revista e pronto, já se atingia quem se precisava falar, até porque a estrutura de consumo no país era muito mais concentrada. Tínhamos um Brasil onde apenas 15% da população consumia e o resto sobrevivia. E essa não é mais a realidade brasileira, com a ascensão da classe C. Note que estamos falando de transformações estruturais e não dá mais para continuar tocando a vida na base do arroz e feijão. As empresas precisam acompanhar essas mudanças.<br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: Quais são as maiores dificuldades que as empresas enfrentam para fazer esta mudança?</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> A empresa moderna surge baseada na organização mais eficiente do século XIX, que era o exército prussiano, com uma estrutura de comando e controle. Essa estrutura precisa se tornar mais aberta, para uma estrutura de diálogo. Essa é a grande dificuldade. É uma transformação cultural. As redes sociais estão revolucionando a maneira como fazemos pesquisa. Hoje obtemos insights sobre o consumidor online. O impacto é grande e vai além do Marketing. Tem que mudar todos os processos e a estrutura da empresa. <br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: Uma vez que a empresa já está no ambiente digital, quais riscos ela corre se não tiver este novo posicionamento?</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> As oportunidades de interação superam muito os riscos, mas é basicamente ter uma crise de comunicação que não pode ser controlada pelos meios tradicionais. É uma guerra de reputação. As técnicas de RP têm uma efetividade reduzida neste ambiente. A linguagem tradicional do Marketing ainda é antiga. Não é mais impactar o target, mas sim dialogar com os stakeholders. É um outro conjunto de competências que ninguém conhece ainda. <br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: E as oportunidades?</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> A primeira é a redução nos custos de comunicação. Segundo é o gerenciamento de reputação, que é mais efetivo. Terceiro é consumer insights, que é a área que tenho trabalho muito aqui no Terra e na FGV. É como transformamos a massa de interações com a marca em insights sobre o comportamento do consumidor. Uma quarta área é a mobilização dos advogados de uma marca, para criar valor e engajamento. <br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: Como o Terra tem trabalhado com este foco?</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> Combinamos uma série de plataformas de informação. Desde o que vem das redes sociais, dos institutos tradicionais de pesquisa, até os sistemas de monitoramento de audiência. Trabalhamos com inteligência social, inteligência de mercado e com dados de interações. Usamos essas plataformas para antecipar comportamentos e identificar como isso pode reverter positivamente para os nossos anunciantes. Estudamos que tipos de iniciativas podem gerar buzz. O que a inteligência de mercado faz hoje é ver o que gera conversações. E o que gera isso é conteúdo. Tradicionalmente era muito caro produzir e distribuir conteúdo. Por isso as empresas compravam espaço no conteúdo. Hoje, esse processo ficou muito mais barato. As marcas podem virar mídia, mas construir isso não é um processo simples e ainda é preciso ser feito em conjunto com os veículos e as agências.<br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: As pessoas também viraram mídia.</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> Sim, mas isso não quer dizer que vou veicular a minha marca nas pessoas da mesma maneira que me incluo na mídia. Tem que saber qual o modelo comercial estará por trás disso. Não é um post pago. Número de seguidores também não é capacidade de influência. Uma rede social só é densa e coesa se as pessoas que fazem parte dela interagem uma com as outras. Se tenho 100 seguidores e todos interagem entre si, a minha rede social é potencialmente mais valiosa do que se tenho 1.000 seguidores e apenas 20 deles interagem. Não basta olhar a quantidade porque você estará repetindo o modelo do broadcast. As vezes é mais interessante ter uma rede menor coesa do que ter uma grande desconectada. A métrica de sucesso não é de RT, mas sim de replays. <br /> <br /> Uma das métricas para se avaliar o retorno sobre o investimento é o financeiro. Uma das! Ao lado dela precisamos criar um conjunto de métricas que chamo de Return on Influence, ou retorno sobre influência, que também precisa ser quantificado. Vamos supor que você me convida para um jantar e eu chego com uma garrafa de vinho na sua casa. Ocorreu uma troca social. Agora imagina se eu pego R$ 100 e te dou para ajudar no jantar? É isso que acontece quando uma empresa faz post pago. Ela está misturando métricas financeiras com métricas sociais. Mais: se ao sair da sua casa, eu fizer a conta de que levei um vinho de R$ 80, mas tudo que você me serviu foi mais ou menos R$ 50, e pensar que o Roi foi negativo, não fará sentido. Precisamos trabalhar essas métricas de retorno sobre influência e buscar uma quantificação financeira para elas. O que estamos fazendo é aplicar medidas de retorno financeiro do mundo broadcast em cima de métricas sociais de um mundo de interações e aí a conta não fecha. <br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: Mas é difícil convencer o anunciante de que o retorno é maior do que ele vê em números.</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> É muito mais fácil ele sentir a dor do prejuízo. Você não investe em relacionamento social. Você constrói. O ciclo de construção é mais longo e com retornos diferentes do ciclo de investimento. Esse é o grande desafio do Marketing hoje: como conciliar as métricas de retorno sobre o investimento com as métricas de retorno sobre influência e mostrar que isso contribui positivamente para a marca. Outro desafio é do gestor da organização, que é parar de pensar em mídia social e pensar em plataformas de interação que afetam o RH, os canais de distribuição, tudo.<br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: A questão mobile pode influenciar ainda mais, não é?</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> Seguramente. A participação na internet se dará cada vez mais por um dispositivo móvel. A mobilidade acrescenta a possibilidade de geolocalização, com muitas oportunidades de ações de Marketing, mas também apresenta riscos como eu estar passando na rua e tirar uma foto de um cara com a camisa de uma empresa fazendo algo errado e mostrar para um monte de gente nas redes sociais. A digitalização acelera a velocidade das interações. Não adianta a empresa ter uma estrutura de 20 anos atrás. Vamos lembrar Darwin, que dizia que quem sobrevive não é o mais forte, mas o que se adapta mais rápidos às mudanças do meio ambiente.<br /> <br /> <strong>Mundo do Marketing: Neste contexto, os modelos de negócios estão sendo reinventados. Estão mudando e as empresas precisam se adaptar a este novo cenário.</strong><br /> <em>Marcelo Coutinho:</em> A vantagem competitiva da empresa moderna vinha do controle que ela tinha sobre a sua cadeia de valor. No mundo da informação, a empresa terá que obter o seu valor a partir da interação que ela tem com seus consumidores e aí é muito mais complexo. O lado bom disso é que representa uma oportunidade tremenda para o profissional de Marketing que tem competência sobre relacionamento e interações. É uma oportunidade que tem que ser aproveitada porque já vejo profissionais de outras áreas, como de jornalismo, fazendo este papel.  Agora, a primeira missão do profissional de Marketing é conseguir capturar a atenção da cúpula da empresa para isso, porque estamos falando de uma transformação cultural. As empresas precisam começar a pensar em qual é a plataforma de interação delas. Isso será tão importante quanto pensar na linha de montagem, em estrutura de produção e cadeia de distribuição. Envolve todos os stakeholders em múltiplos ambientes.</p>


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