Pesquisa de mercado é suficiente para conhecer profundamente seus clientes? Bruno Mello 14 de junho de 2021

Pesquisa de mercado é suficiente para conhecer profundamente seus clientes?

         

Embora P&D seja, de fato, muito relevante para o negócio, cada vez mais elas têm sido insuficientes para trazer o olhar e a prática centrados no cliente nas organizações

Pesquisa de mercado é suficiente para conhecer profundamente seus clientes?
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Não é de hoje e nem novidade para ninguém: as empresas que perseveram no contexto atual são aquelas que são obcecadas por seus clientes.

Essa obsessão é, ao mesmo tempo, proposital e propositiva: com o ritmo acelerado das mudanças, seguem na frente as empresas que conseguem continuamente compreender o impacto da tecnologia e das mudanças no contexto e comportamento dos seus clientes e, com isso, criar produtos e serviços que as pessoas amam.

Nesse ímpeto, haja budget de marketing e P&D para investir em pesquisas de mercado. Para entender a ordem de grandeza de investimentos dessa natureza, fui pesquisar e descobri que a indústria de pesquisas de mercado movimentou, em 2019, mais de 74 bilhões de dólares globalmente.

Principalmente em grandes organizações, investimentos desse tipo já fazem parte da rotina anual de marketing e, muitas vezes, servem para guiar a tomada de decisões estratégicas do negócio – ou mesmo justificar ideias já pré-estabelecidas que já estão em andamento.

No entanto, muito embora pesquisas nesse formato mais tradicional sejam, de fato, muito relevantes para o negócio, cada vez mais elas têm sido insuficientes para trazer o olhar e a prática centrados no cliente nas organizações. De forma complementar, a abordagem do design tem ganhado cada vez mais relevância e protagonismo para suprir esses gaps em organizações que protagonizam a inovação.

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Nesse artigo, compartilho um pouco da minha experiência prática com ambas as abordagens e de como o Design muda o jogo na jornada de criação de negócios relevantes e centrados no cliente.

Mas antes, qual é o problema das pesquisas de mercado tradicionais?

Nenhum problema, na verdade. Pesquisas de mercado tradicionais são (e ainda serão) muito importantes para embasar e guiar vários aspectos dos negócios. O problema, na verdade, está nos problemas que a pesquisa pode esconder – como, por exemplo:

– Usar a pesquisa como escudo para não interagir com o cliente: Pesquisas de mercado tradicionais geralmente são entregues compiladas em relatórios maravilhosos, lindos no ppt e que, por si só, podem dar a falsa sensação de conhecimento profundo do cliente sem interagir com ele. Nesses casos, é claro que pesquisas proporcionam informações importantes, mas elas não substituem as interações diretas com o cliente e não devem ser usadas como desculpa para não ir a campo ver como a vida acontece de verdade sob os seus olhos.

– Só acreditar e usar os dados da pesquisa quando convém: Pesquisas conduzidas 100% por institutos de pesquisa sem o envolvimento de pessoas da empresa muitas vezes produzem dados que podem contrariar suas suposições. Nesses casos, é fácil culpar o pesquisador: “ah, esse insight veio porque eles não têm o mesmo conhecimento de mercado que a gente tem”. Geralmente, o mesmo não acontece quando os dados corroboram com as suposições internas…

– Não saber o objetivo da pesquisa: Como é um ritual que já caiu na rotina, muitas vezes pesquisas são compradas de forma periódica, com escopo abrangente e sem um porquê, um objetivo ou um direcionamento para responder a dúvidas críticas do negócio. A consequência disso é não gerar retorno sobre esse investimento e deixar a pesquisa morrer no ppt do planejamento de marketing.

– Deixar a pesquisa morrer no ppt: Quando as pesquisas são extensas, mal recortadas, abrangentes e cheias de dados, os insights se perdem no caminho. Dados não são empáticos e nem sempre são fáceis de se interpretar corretamente sob a visão do cliente. E, se não há interpretações, insights e desdobramentos da visão do cliente no negócio, a pesquisa não gera retorno sobre esse investimento e morre no ppt do planejamento de marketing.

Basear o direcionamento do negócio nas médias: Pesquisas de mercado tradicionais tendem a buscar mais o comportamento médio de um determinado perfil de clientes. Essa lógica é ótima para definir padrões de mercado e entender oportunidades macro de crescimento de vendas, mas insuficiente para gerar insights mais inovadores (que são mais facilmente encontrados nos extremos, onde as dores e necessidades são mais aparentes).

E como o design traz novos ângulos para a compreensão do cliente?

Muito além da criação de objetos elegantes e coisas bonitas, o design é uma abordagem que busca, sim, criar soluções – produtos, processos, serviços, negócios, sistemas, organizações -, mas que são projetadas a partir da compreensão profunda de um problema ou desafio sob a ótica das pessoas envolvidas. A essência do design está justamente nesse primeiro passo (que não deixa de ser um tipo de pesquisa) de entendimento profundo das dores, necessidades e motivadores das pessoas, assim como o mapeamento das etapas, conexões e gargalos da jornada de compra.

Nesse sentido, cada vez mais o design tem ganhado relevância em organizações centradas no cliente. De acordo com um estudo realizado pela Deloitte, empresas que são customer centric são 60% mais lucrativas. Na mesma linha, outro estudo conduzido pela McKinsey para comprovar o valor do design nos negócios estabeleceu um índice de maturidade em design (MDI) nas organizações e demonstrou que empresas no primeiro quartil do índice superam o crescimento de receita em 100% em relação às médias de mercado.

Mas por que estou trazendo esses dados? Trago com o olhar de uma pessoa que não é designer na essência, mas já se deslumbrou com as transformações geradas pelo design. E sei que, para convencer pessoas de negócios sobre algo novo, dados são essenciais. Felizmente, dados não faltam para demonstrar que a abordagem do design contribui em muito para a profundidade da compreensão do cliente de um jeito diferente (complementar) de pesquisas de mercado tradicionais. Vejo essa complementaridade nos pontos abaixo:

– Do início ao fim, a jornada é colaborativa e impacta no mindset das pessoas: Diferentemente das pesquisas que são contratadas e conduzidas por institutos de pesquisa com pouco envolvimento das empresas contratantes, a abordagem de design tem como base uma jornada colaborativa. Da compreensão do cliente à geração de insights e ideias de solução, uma pesquisa orientada pelo design envolverá tanto pessoas especialistas na abordagem quanto pessoas especialistas no negócio (pessoas de marketing, vendas, R&D, etc). Diferentes perspectivas não só geram uma gama maior de insights, como também geram dor de dono (quando as pessoas são envolvidas no processo e fazem parte das descobertas, elas tendem a defender mais a visão do cliente dentro da empresa), aplicar essa lógica para outras iniciativas e proliferar essa visão para seus times.

– As descobertas do design são mais profundas: Ideal para identificar e explorar dores e necessidades não atendidas a partir da compreensão de comportamentos, atitudes e histórias dos clientes ao longo da jornada de compra. Essa análise mais profunda vai além do conhecimento mais superficial e aparente e “cavoca” descobertas que que nem sabíamos que estavam ali. Por esse motivo, esse tipo de exploração é ideal para melhoria ou criação de novas soluções para essas dores e necessidades.

Pesquisa de mercado

Figura 1: Analogia para o nível de profundidade de análise do Design

– O design é mais recortado: No design, a compreensão do cliente parte das dúvidas e perguntas do negócio que precisam ser respondidas e, com esse foco, as descobertas são mais direcionadas e, por isso, agregam mais valor na tomada de decisão na melhoria ou criação de novos produtos e serviços, por exemplo.

– O design vai além da identificação das dores e necessidades: Uma vez descobertas dores e necessidades relevantes do cliente e aderentes ao escopo de atuação da empresa, o design segue a jornada até levantar hipóteses de solução e projetar caminhos de melhoria e entrega de valor. A essência iterativa do design, que preza por antecipar o contato da ideia de solução com o cliente através de testes de protótipos, faz com que o cliente faça parte da construção da solução, uma vez que seus feedbacks constantes adaptam e direcionam o desenvolvimento sob a ótica do cliente, de fora para dentro.

– O design entende e representa a dinâmica entre as relações: No mundo integrado em que vivemos, não basta apenas entender o meu cliente final, mas também outros agentes e influenciadores que fazem parte da jornada de compra. Vamos pegar um exemplo de empresas B2B. Existem muitos serviços e ferramentas que são compradas por um time, mas usadas por outros, como um CRM ou ERP. Se prezamos pela análise apenas de quem compra, e não de quem usa, a chance de adesão da solução é baixa. Além disso, a dinâmica de quem compra pode envolver outras relações e influenciadores dentro da empresa. Entender essa dinâmica faz parte do entendimento das dores, necessidades e gargalos na jornada de compra. A mesma lógica funciona para produtos B2C: uma mãe pode comprar um produto para seu filho, mas se seu filho não gosta ou não usa, a chance de sucesso é baixa. Ainda na mesma linha, vários negócios, tanto no B2C como no B2B, possuem intermediários na cadeia de valor e o entendimento dessa dinâmica também faz parte da compreensão profunda do cliente final.

Mas então agora tudo é design?

Sim e não. Cada vez mais, organizações mais inovadoras incorporam a essência do design em sua operação. Mas seria ingenuidade descartar ou colocar como concorrentes outros tipos de pesquisa de dados gerados e informações existentes dentro da empresa.

Ambos os caminhos para conhecer mais seus clientes não são completamente distintos. Existem muitas similaridades e complementaridades aqui. O importante é entender o propósito de cada tipo de pesquisa e, a partir disso, combinar os caminhos em diferentes momentos do negócio.

Além disso, o design não trabalha sozinho: ele converge e prioriza diferentes métodos e pontos de vista. Isso não envolve não só a abordagem, mas também o tempo, a assimilação de conhecimentos prévios, o número e repertório de pessoas envolvidas, a quantidade de métodos misturados e o modelo de gestão de conhecimento aplicado. A abordagem do design consegue articular todos esses recursos em um escopo de projeto bem estruturado para produzir conhecimento. O design ajuda a construir tudo isso uma vez que consegue navegar por diversas disciplinas e abordagens, agenciar competências e articular tomadas de decisões que ajudam a priorizar onde e quando vamos dedicar mais energia para entender quem ou o que.

No final das contas, Design oferece um modelo mental que não exclui as outras abordagens, mas sempre foca em colocar as pessoas no centro, testar possibilidades e trazer diversidade para garantir formas novas e relevantes de compreender as relações e o que gera valor. Nós escrevemos na weme um artigo que pode te ajudar a entender melhor sobre como o Design pode resolver problemas complexos das organizações aqui.

Como começar essa jornada?

Olhar para a compreensão do cliente sob a ótica do design exige uma mudança de modelo mental até que esteja embebida na cultura da organização. Como é uma abordagem relativamente nova para algumas organizações, esse processo exige sensibilização e calma.

Para isso, há uma mescla de teoria e prática. Pessoas se sensibilizam com a teoria, tangibilizam possibilidades com exemplos, mas é a prática que transforma. Por isso, a cultura de inovação e centrada no cliente por meio do design só se sedimenta com prática e resultados consistentes.

Nesse sentido, o ideal é começar a testar essa forma de compreender o cliente de forma mais profunda a partir de um desafio mais latente e relevante. A partir dessa primeira imersão, a convergência de personas e suas jornadas de compra dão luz a dores e gargalos que nem sabíamos que estavam lá. As descobertas e insights diferentes já vão chamar atenção, assim como as soluções vindas a partir deles. As soluções começam a gerar resultados e o resultado atrai novos olhares, reduz o atrito e abre possibilidades para mais aplicações.

Aquilo que começa como um processo se torna uma prática. A prática quando ganha força vira um princípio.  Quando o princípio se torna transversal, ela vira um valor. O valor enraizado transforma a cultura. Mas tudo começa com um primeiro passo.


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