Público gay continua de fora das estratégias de marcas 9 de junho de 2014

Público gay continua de fora das estratégias de marcas

         

Segmento tem potencial de consumo de R$ 150 bilhões por ano, mas as empresas ainda não conhecem suas reais demandas. Inclusão é o caminho para conquistar relevância

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Os homossexuais representam 18 milhões de pessoas no Brasil, com um potencial de consumo de mais de R$ 150 bilhões por ano, de acordo com a Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes (Abrat-GLS). Apesar da expressividade econômica e das constantes campanhas antipreconceito, este público ainda esbarra em uma série de tabus. Mesmo de forma velada, muitas companhias preferem se manter neutras sobre o assunto, para evitar a perda de adesão junto a parcelas mais conservadoras da população.

Grandes empresas foram procuradas pela equipe do Mundo do Marketing para falar sobre o relacionamento com este target. Nenhuma delas afirmou que não iria participar das entrevistas devido ao tema. As negativas passaram principalmente pela justificativa de que o posicionamento das marcas era mais abrangente. Os organizadores da última edição da Parada Gay de São Paulo também tiveram a mesma dificuldade quando buscaram patrocinadores. Ouviram negativas de Nestlé, Ambev e Coca-Cola, apesar de nenhuma delas alegar receio em se posicionar à respeito do tema. Mesmo sendo o segundo maior evento de São Paulo, atrás apenas da Fórmula 1, de acordo com a Secretaria de Turismo do Estado, a Parada ainda se sustenta basicamente por patrocínios de estatais. Entre as poucas empresas privadas, as mais expressivas são a Olla, que já apoia a Parada há três anos, e a Netflix, que passa a patrocinar este ano.

A resistência de alguns potenciais patrocinadores aumenta quando a exposição é massiva e, consequentemente, alcança todos os segmentos da sociedade. “O posicionamento das marcas muito abrangentes, por vezes, acaba sendo uma reação à cultura da sociedade, que ainda possui parcelas homofóbicas. Em alguns casos, existe o medo da associação da imagem por não quererem se restringir a um nicho”, diz Elias Frederico, Professor da FGV-EAESP e da USP, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Atendimento inclusivo
Não é apenas o apoio que fica abaixo do esperado pela comunidade gay, no Brasil. Uma das principais queixas destes consumidores é o despreparo das equipes de atendimento, de acordo com a pesquisa Novos Mercados de Consumo, da Consumoteca. “Eles não querem ser tratados de forma especial. Na realidade desejam a liberdade de se comportarem como qualquer outra pessoa sem serem constrangidos. Assim como qualquer outro cliente, não gostam de grosserias”, avalia Michel Alcoforado, Antropólogo da Consumoteca, em entrevista ao Mundo do Marketing.

O Antropólogo Raphael Bispo, de 32 anos, é homossexual e está em um relacionamento sério há cinco anos. Ele conta que já passou por constrangimentos em ambientes públicos como restaurantes. “Com um grupo de amigos em que todos eram homossexuais, percebemos má vontade dos garçons, inclusive com piadinhas. Um amigo meu viveu uma situação pior em um cinema em Copacabana, que terminou em processo”, diz Raphael Bispo, em entrevista ao Mundo do Marketing.

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Para ganhar relevância entre estes consumidores a entrega de serviços em nada deve se diferir da idealizada para outros públicos. A exigência por uma boa experiência de compra e atendimento é a mesma. Para ser eficiente, as condutas “gay friendly” devem estar intimamente ligadas ao DNA das empresas. “Para aquelas que já nasceram com uma política de inclusão, isso flui na rotina. Já companhias que aderem ao posicionamento posteriormente esbarram em preconceitos presentes nas equipes. Neste caso, as pessoas tentam ser naturais, mas soa forçado e acaba gerando desconfiança no consumidor”, aponta o Professor Elias Frederico.

Esse sentimento de pertencimento é o responsável pelo sucesso das boates GLS. Na hora da balada, os espaços focados neste nicho ganham destaque na preferência. “Quando a intenção é sair para namorar e beijar na boca, as boates GLS fazem um bom papel. Nestes lugares todo mundo tem a mesma intenção, se divertir. Ninguém vai olhar com estranheza o afeto de um casal”, diz Raphael Bispo.

Mitos mais difundidos
O caminho deve ser sempre a inclusão. Um dos mitos mais fortes que permeia este mercado é a ideia de que existe uma demanda por produtos exclusivos de acordo com a orientação sexual. Este pensamento não corresponde à realidade e acaba impedindo resultados satisfatórios em lançamentos e nas ações de comunicação. O rótulo gay é visto como superficial pelo público que deveria ser seu alvo. Quando o foco está na qualidade do produto ou em seus benefícios, aí sim, ganha relevância.

O momento de compra e a decisão para a maioria dos itens se dão da mesma forma independente da sexualidade. “Não vejo fundamento em ter um desodorante gay por exemplo. Qual a diferença entre o corpo do homem gay para o do hetero? Nenhuma. Não me sinto representado. Aparentemente, trata-se apenas de uma estratégia para conquistar mais uma fatia do mercado. O gosto não é determinado pelo fato de se relacionar com alguém do mesmo sexo”, diz Raphael Bispo.

Mesmo assim, a gama de produtos especializados cresce constantemente. A lista de produtos e serviços vai desde grifes de roupas, cruzeiros, academias e até condomínios. “Uma alternativa à criação de marcas 100% gays é a adesão de novos estilos pelas mais diversas empresas. A mesma loja pode ter coleções para vários públicos e este é o caminho para a diversidade”, pontua Michel Alcoforado.

Hospitalidade para quem viaja quatro vezes mais
A rede de hotéis Marriot não é exclusivamente voltada para os gays, mas percebeu o potencial destes viajantes que consomem até quatro vezes mais turismo do que a média geral, de acordo com a ABRAT-GLS. Esse público movimentou R$ 2,5 milhões em viagens no último ano. “A preferência por viagens são proporcionadas pelo modelo familiar mais comum entre o publico gay, em que ambos os parceiros possuem renda fixa e na maioria dos casos não tem filhos. Sendo assim, as despesas são menores e o dinheiro que sobra”, diz Elias Frederico.

A empresa de hotelaria percebeu a deficiência ainda presente neste setor e investiu em uma ação para se diferenciar pela inclusão. Para este Dia dos Namorados, a rede de hotéis Marriot lançou um manifesto nas redes sociais promovendo todas as formas de amor. A intenção é que os clientes enviem as suas histórias de viagens com o seu parceiro. A plataforma conta com fotos e vídeos de casais e famílias homoafetivas. Os depoimentos recebem a hashtag #lovetravels. 

Marcas que apostaram na diversidade
As organizações internacionais são as primeiras a perceberem esta tendência e agregarem diferentes públicos em suas estratégias. O Viber realizou uma pesquisa com seus clientes para identificar verbetes, gírias e expressões comuns ao público GLS. Os resultados se transformaram em stickers animados com termos divertidos e informais, como “beeesha”, “Tô Nude”, “Lusho” e “Tô passada”. “O Pack de stickers Arrasa é lúdico com a intenção de ser bem humorado e fazer parte do dia a dia. Já tivemos versões para carnaval e sobre gírias na internet, até que surgiu também a coleção voltada para o público GLS”, conta Luiz Felipe Barros, CEO do Viber, em entrevista ao Mundo do Marketing.

A coleção está entre as mais baixadas por brasileiros. Diante do sucesso, a empresa disponibilizou as figuras de forma gratuita. “No lançamento da coleção de stickers, não queríamos de forma nenhuma ter uma conotação ofensiva, impositiva ou clichê. A intenção era que fosse um processo participativo. Não queríamos rotular ninguém, mas sim fazer parte do dia a dia”, diz Luiz Felipe Barros.

A Fiat também decidiu incluir o assunto em sua comunicação este ano. Pela primeira vez, a montadora mostrou um beijo gay em um anúncio, idealizado para o período da Copa do Mundo, com o tema “Vem pra Festa”. A marca pretende retratar uma comemoração de rua com diferentes perfis de torcedores. “Queríamos uma imagem o mais fiel possível do povo brasileiro. Não poderíamos usar o lema ‘quem mais entende de rua’, se a imagem transmitida fosse artificial. Excluir os homossexuais de uma comemoração não seria leal”, avalia Marcelo Reis, vice-presidente de Criação da Leo Burnett Tailor Made .

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