<p>Por Marcelo Alves*<br /> <br /> Muitos profissionais das &aacute;reas de marketing e vendas devem estar assistindo a um estranho fen&ocirc;meno conceitual que vem assolando as rela&ccedil;&otilde;es comerciais entre fornecedor e cliente: a distor&ccedil;&atilde;o grosseira e indiscriminada do significado real de &quot;parceria&quot;, de forma a degradar a&ccedil;&otilde;es negociais entre duas empresas. Pior do que assistir, muitos devem estar lutando para escapar de (ou administrar) a&ccedil;&otilde;es comerciais iniciadas sob o r&oacute;tulo distorcido ou disfar&ccedil;ado de parceria, como eventualmente devem ter sido originalmente propostas essas a&ccedil;&otilde;es pelo cliente, sinalizando uma falsa oportunidade concreta de neg&oacute;cios, que na pr&aacute;tica invariavelmente trouxe &ocirc;nus e dores de cabe&ccedil;a operacionais apenas para o fornecedor.<br /> <br /> Estranhamente, como se fosse um mantra nefasto, invocar a palavra m&aacute;gica parceria est&aacute; se tornando um recurso escuso recorrente nas rela&ccedil;&otilde;es comerciais nas quais uma das partes tem a inten&ccedil;&atilde;o secreta de levar vantagem, lesando a outra parte &ndash; na maioria das vezes, o fornecedor de produtos e servi&ccedil;os.<br /> <br /> Para fechar um neg&oacute;cio, hoje, j&aacute; n&atilde;o se pede meramente um desconto, um parcelamento ou se prop&otilde;e que se diluam os custos ao longo do contrato, sofisticam-se as formas de induzir o fornecedor (parceiro) a submeter-se a conceitos distorcidos de atendimento das necessidades dos clientes:<br /> <br /> – &quot;Try and buy&quot;, nos quais definem-se prazos irreais de uso do servi&ccedil;o, prorrogando indefinidamente a custosa fase &quot;try&quot;, sem nenhum sinal efetivo de que em algum momento o neg&oacute;cio evoluir&aacute; para a ansiada fase &quot;buy&quot;. <br /> <br /> – &ldquo;Demo versions&rdquo; do produto ou do servi&ccedil;o (totalmente funcionais, por&eacute;m…), exigidas de forma a acuar o fornecedor para que &quot;prove a efici&ecirc;ncia&rdquo; da solu&ccedil;&atilde;o ao board (geralmente, alega-se que o board est&aacute; desconfiado da solu&ccedil;&atilde;o anterior, adquirida do concorrente e que revelou-se um fracasso). Estranhamente, a data de expira&ccedil;&atilde;o original desses &ldquo;demos&rdquo; nunca &eacute; suficiente para o board identificar a funcionalidade da solu&ccedil;&atilde;o e decidir pela aquisi&ccedil;&atilde;o ou contrata&ccedil;&atilde;o efetiva… ou seja, o novo fornecedor paga pela incompet&ecirc;ncia do cliente na escolha anterior, ou pela inefici&ecirc;ncia do produto do concorrente. <br /> &nbsp;<br /> – Subloca&ccedil;&atilde;o de m&atilde;o de obra ou de know how, nos quais prestadores de servi&ccedil;o, pretensamente posicionados como masters, prop&otilde;em-se a homologar &quot;parceiros slave&quot; (n&atilde;o h&aacute; defini&ccedil;&atilde;o melhor…) explorando servi&ccedil;os, tecnologias e recursos humanos fornecidos por estes, de forma gratuita, por meses e meses em seus clientes ou prospects. Com isso, esses players masters pretendem alavancar outros servi&ccedil;os de seu portf&oacute;lio nestes clientes ou prospects,&nbsp; visando ganhar sua simpatia ou mesmo reverter alguma insatisfa&ccedil;&atilde;o desses clientes com seus pr&oacute;prios servi&ccedil;os. O &quot;player master&quot; se esmera em convencer o &quot;parceiro slave&quot; que essa pr&aacute;tica oportunista &eacute; uma parceria para abertura de lead visando market share em clientes importantes aos quais ele tem acesso, quando na&nbsp; verdade o que se fez foi usar gratuitamente a m&atilde;o de obra alheia na execu&ccedil;&atilde;o das tarefas mais complexas de um projeto, para cal&ccedil;ar contratos mais vantajosos em favor pr&oacute;prio.<br /> <br /> Tentei encontrar algum amigo meu, &ldquo;cara-de-pau&rdquo; o suficiente para testar se essa pr&aacute;tica tamb&eacute;m funcionaria nas rela&ccedil;&otilde;es comerciais de nosso cotidiano, na aquisi&ccedil;&atilde;o de bens de consumo ou presta&ccedil;&atilde;o de servi&ccedil;os visando vantagem apenas para o consumidor. Mas n&atilde;o consegui quem convencesse faxineiras e diaristas a trabalharem no regime de &quot;try and buy&quot;, limpando uma casa de gra&ccedil;a, por tempo indeterminado, para provar a qualidade de seus servi&ccedil;os; ou quem acreditasse em propor uma &ldquo;corrida-demo&rdquo; a um taxista, para atestar se ele dirige com mais prud&ecirc;ncia que o taxista que o conduziu numa suposta corrida anterior; ou um corretor de seguros competente a ponto de encontrar um mec&acirc;nico que consertasse carros de gra&ccedil;a, ao longo de um determinado per&iacute;odo, visando a oportunidade de um frotista fechar contrato com aquele corretor ou sua seguradora. Tampouco se sabe de algum dentista disposto a fazer obtura&ccedil;&otilde;es gratuitas at&eacute; que uma empresa feche o contrato de assist&ecirc;ncia odontol&oacute;gica. <br /> <br /> O mais perto que cheguei foi lembrar do apelo de uma marca de iogurte funcional, cuja campanha oferecia o dinheiro do consumidor de volta caso o produto n&atilde;o cumprisse o compromisso de melhorar a regularidade intestinal do consumidor dentro de quinze dias &ndash; ainda assim, a campanha se propunha a devolver o valor recebido &ndash; o iogurte n&atilde;o era dado, sendo pago pelo cliente posteriormente apenas se sua regularidade se confirmasse. Bem, iogurte &eacute; um bem bastante diferente de produtos e servi&ccedil;os corporativos, principalmente, no que diz respeito &agrave; ordem de grandeza dos valores envolvidos. E &eacute; justamente por isso que assusta ver rela&ccedil;&otilde;es corporativas envolvendo servi&ccedil;os t&atilde;o complexos, demandantes e de valores t&atilde;o significativos, sucumbindo a este tipo de negocia&ccedil;&atilde;o ganha-perde.<br /> <br /> &Eacute; importante que os profissionais do mercado e os estudantes de marketing, que se preparam para ingressar na &aacute;rea comercial e de neg&oacute;cios em geral, estejam atentos a essa pr&aacute;tica conden&aacute;vel, n&atilde;o apenas para saber evit&aacute;-la, mas para que tamb&eacute;m saibam discernir, nas suas rela&ccedil;&otilde;es comerciais, entre o l&iacute;cito &ndash; processos diferenciados de negociar, formas de &quot;pensar fora do quadrado&quot; que visam garantir uma rela&ccedil;&atilde;o comercial inquestionavelmente baseada no ganha-ganha &ndash;, e o il&iacute;cito &ndash; modalidades &quot;171&quot; de buscar usufruir dos produtos e servi&ccedil;os de fornecedores e prestadores, sem pagar por isso. <br /> <br /> Ou ainda, evitar outras pr&aacute;ticas como ganhar tempo postergando datas de faturamento indefinidamente; inventar pretextos fr&aacute;geis para evitar assumir o compromisso comercial; disfar&ccedil;ar dificuldades em assumir valores sob o argumento de exigir flexibilidade do fornecedor; eximir-se de cl&aacute;usulas contratuais de garantia e de penalidades (e at&eacute; mesmo negando-se a amparar neg&oacute;cios em contratos formais) invocando a duvidosa &quot;garantia do fio do bigode&quot;; estabelecer parcerias baseadas em trabalho praticamente volunt&aacute;rio; entre outras p&eacute;rolas da velha &ldquo;Lei de Gerson&rdquo; aplicadas &agrave;s rela&ccedil;&otilde;es entre fornecedor e cliente.<br /> <br /> Na medida em que os estudantes de marketing aprenderem a identificar a diferen&ccedil;a entre conceitos sofisticados, s&eacute;rios, bem estruturados, transparentes, louv&aacute;veis e promissores como marketing cooperado, co-branding, brand awareness, cross marketing e sampling, e estejam preparados para evitar subterf&uacute;gios abomin&aacute;veis e amadoras aos quais apelam certos &quot;parceiros&quot; mal intencionados, que desejam exclusivamente explorar os produtos e servi&ccedil;os de seus fornecedores sem nada pagar (ou pagar menos do que valem), maximizando de forma inconsequente, incompetente e oportunista as receitas e taxas de retorno dos projetos, estar&atilde;o resgatando a &eacute;tica nos neg&oacute;cios e minando a evolu&ccedil;&atilde;o desta distor&ccedil;&atilde;o de um conceito que por muito tempo balizou transa&ccedil;&otilde;es comerciais rent&aacute;veis e a&ccedil;&otilde;es de marketing promissoras, baseadas em parcerias verdadeiras.<br /> <br /> * Marcelo Alves &eacute; diretor de marketing da DirectBiz Consultants, consultoria especializada em venda direta. E-mail: <a href="javascript:location.href='mailto:'+String.fromCharCode(97,108,118,101,115,64,100,105,114,101,99,116,98,105,122,46,99,111,109,46,98,114)+'?'">[email protected]</a></p>
Parceria: um conceito cada vez mais distorcido mercadologicamente
24 de março de 2011