A imensa quantidade de dados disponível hoje para as empresas coloca os executivos de Marketing numa situação um tanto contraditória: eles têm diante de si o tão falado Big Data, mas precisam ir atrás do “Small Data” para fazer a diferença. Todo o trabalho árduo de pesquisa e análise de números gerados por softwares, de assuntos mencionados por usuários nas redes sociais e de temas debatidos em fóruns busca uma única informação capaz de gerar uma ação inovadora e impactante.
O desafio é descobrir onde está a fonte do insight que vai originar o pulo do gato em meio à avalanche de dados diária presente na internet. Para encontrá-la, não basta se debruçar sobre as informações e os números apresentados pelo tão propagado Big Data. Eles são muito úteis para começar o trabalho, mas uma análise mais consistente acontecerá à medida que a internet passe a ser vista como uma “nação” com diversas culturas. É preciso saber as particularidades de cada uma delas, entendendo a linguagem própria dos diversos canais de contato virtuais com o consumidor.
O Big Data fornece aos executivos uma fotografia. Não basta admirá-la, é preciso mergulhar nas redes sociais e interagir com marcas e consumidores. “É como procurar agulha num palheiro. Às vezes, é possível encontrar um padrão, outras vezes, uma ideia. É imprescindível passar um bom tempo ouvindo, estudando e participando para se chegar a uma conclusão. E isso leva um tempo que as empresas nem sempre querem gastar”, afirma Robert Kozinets, da Schulich School of Business , em entrevista ao Mundo do Marketing.
Netnografia
A netnografia, conceito usado pioneiramente por Robert Kozinets, propõe às empresas darem um passo atrás, diminuindo o ritmo para construir uma estratégia mais efetiva nas redes. Ter mais calma é o primeiro passo para se analisar o comportamento dos indivíduos na internet. Nenhum dado pode ser descartado num primeiro momento, segundo a metodologia de Robert Kozinets. O especialista está no Brasil para falar, nesta quarta-feira, sobre engajamento social de marca, no 5º Encontro Internacional Coppead de Comportamento do Consumidor, no Rio de Janeiro.
Inicialmente, todos os canais e as informações podem ser úteis. “Não se pode descartar nenhuma rede social no começo, mas é preciso entender como cada uma delas se comporta. O Twitter é muito curto e o Facebook não costuma ter profundidade, por exemplo. Os melhores pontos de contato costumam estar em comunidades virtuais, blogs e fóruns. O ideal mesmo é que as marcas criem seus próprios espaços de conversa”, ressalta Kozinets, de Toronto, no Canadá.
Os resultados tendem a ser ainda melhores se a empresa desenvolve um canal e passa a enxergá-lo para além da marca. Em vez de apenas instigar a publicação de opiniões sobre produtos ou ações promocionais, a companhia deve incentivar que os usuários compartilhem suas informações pessoais, falem sobre sua família e seu estilo de vida.
Abra mão do controle
Para embarcar nesta tendência, no entanto, as marcas acostumadas à comunicação apenas nas mídias tradicionais precisam encarar uma realidade um tanto assustadora: a necessidade de abrir mão do controle sobre a conversa com os consumidores. “Os executivos ainda não são bons na parte de ouvir os clientes e falar com eles ao mesmo tempo. O Marketing estava acostumado a fazer uma coisa ou outra de cada vez. Ou falavam, por meio da publicidade tradicional, ou ouviam, nas pesquisas”, resume Kozinets.
A tradicional empresa americana de sopa enlatada Campbell’s Soup foi uma das que recorreu à técnica da antropologia aplicada à internet para encontrar o ingrediente que faltava em suas interações com consumidores. A companhia de 140 anos foi atrás do motivo que levava pessoas a trocarem receitas na web com o objetivo de se tornar tão participativa no planejamento das refeições como no passado.
Kozinets sugeriu que a empresa deixasse de focar exclusivamente na marca em sua comunidade online. Incluiu ferramentas para compartilhamento de vídeos e questionou usuários sobre pratos preferidos nas refeições. Muitos concorrentes acabaram sendo citados, o que poderia gerar algum desconforto, embora não fosse exatamente um problema. “É difícil para a empresa tirar o foco de sua própria marca para passar a estimular os usuários a compartilharem sua vida. Mas quando o faz, o ganho é enorme. Assim que implantaram essas mudanças tão simples, a comunidade da Campbell passou a ter muito mais visitantes e mais participação”, ressalta Kozinets.
Lançamento de livro
Apesar do conceito de netnografia ter sido apresentado por Robert Kozinets em 1998, ele ainda não é explorado com frequência pelas empresas. “A maioria não conhece a técnica ou a confunde com a simples análise de Big Data. Quem realmente quiser ter bons resultados precisa dispor de tempo e de habilidades próprias e buscar a participação. O ato de pesquisar na internet nada mais é do que interagir. Isso é uma grande transformação. Não se pode temer o fato de se tornar mais vulnerável” afirma Kozinets.
O especialista vai lançar seu livro traduzido para o português – “Netnografia: realizando pesquisa etnográfica online” –, durante o evento no Rio de Janeiro. A publicação traz algumas ferramentas para os pesquisadores de campo. “Hoje, os profissionais podem reunir muita informação sobre o consumidor: saber onde ele clicou, quando compartilhou e que avaliação fez dos produtos. Ao lado dessa capacidade quantitativa, é preciso se analisar os porquês”, ressalta Maribel Suarez, Professora de Marketing e Comportamento do Consumidor do Coppead, UFRJ, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O método estudado por Kozinets complementa o arsenal quantitativo disponível para executivos. “Quando o radar da empresa começa a apitar, porque tem gente falando mal da marca, é preciso olhar os dados em detalhes para poder entender o que está acontecendo na ocasião, o que está gerando ódio ou amor. A netnografia colabora para essa análise qualitativa”, conclui Maribel.