O rearranjo das relações em quarentena Bruno Mello 16 de julho de 2020

O rearranjo das relações em quarentena

         

Romper não é só fim. Pode doer, mas é também recomeço

O rearranjo das relações em quarentena
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Logo no início da quarentena oficial dei uma escapulida com um casal de amigos à Praça do Pôr do Sol aqui em São Paulo, coisa de 15 minutos tomando um pouco do sol e curtindo a vista, importante para manter a saúde mental.

Entretanto, depois me senti um tanto culpada por sair da quarentena restrita e rigorosa que havia imposto a mim mesma. E, depois, por contribuir com as estatísticas que fizeram a praça ser fechada com tapume.

Mas mais do que isso, esse dia me marcou pela conversa que tive com esse meu amigo. Que a quarentena havia chegado para reorganizar estruturas, incluindo as corporações e que seria nesse momento que separaríamos garotas de mulheres, meninos de homens. “Empreendedores raiz” de “empreendedores nutella”. Empresas construídas com bases, valores e motivações sólidas e empresas construídas sobre falsas ilusões.

A quarentena seria também um tsunami corporativo. Já assistiu o filme espanhol Lo Impossible – “O Impossível”, na versão brasileira? Retrata a história real da família que sobreviveu ao tsunami em 2004 na Tailândia. Eu sempre me interesso por filmes que retratam histórias reais, mas isso não vem ao caso agora.

O que importa aqui é que por se tratar de um tsunami, temos muitas cenas que são submersas enquanto parte da trama se desenvolve. Imagina o contexto onde você está agora coberto d’água, e que tudo que está ao teu redor, acima ou abaixo, está misturado, se batendo e quebrando, afundando, flutuando e emergindo.

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E você, está ali no meio, só com a cabeça pra fora d’água, respirando e sobrevivendo. Pois no fim é o que você precisa: respirar.

Por que estou falando disso? Porque embora a água esteja baixando agora, vivemos e passamos por um período de rearranjo nas relações, o que inclui mais intimidade e também rompimento. E em todo rompimento relações são transformadas, ciclos se encerram e ciclos se abrem. Não vejo muito as pessoas falando disso por aí, mas imagino que seja algo mais comum do que penso quando trago isso especificamente para as relações corporativas – não só com seu time direto, mas também parceiros, fornecedores e freelancers.

As pessoas e parceiros que estão contigo estão só na bonança ou segurando as pontas e contribuindo para remar o barco em períodos de águas turvas? Não estou querendo trazer aqui mérito de valor de quem ficou em uma situação ou outra, pois acredito que as duas são igualmente importantes para a evolução de um negócio e já te explico isso.

Existe um provérbio que diz que “para se conhecer uma pessoa, é preciso comer um saco de sal com ela”. Não sei se você se aventura na cozinha, mas tenho certeza que na sua casa tem um pacote de 1kg de sal. Quanto tempo você leva para comê-lo? É disso que esse provérbio se trata, de tempo para se conhecer uma pessoa, suas ações e reações.

E sabe do que estamos falando aqui? De uma pessoa jurídica. Que da mesma forma que nós, precisa de estrutura, alimento, relações mais próximas e algumas esporádicas para ir aprendendo, se transformando e crescendo. E também de tempo, para que essa relação possa prosperar ou naturalmente se afastar.

Pois fim, e a quarentena – além de todas as questões importantes de saúde e vidas que devemos levar a sério – também nos trouxe essa possibilidade de rearranjo de estruturas e dinâmicas nas relações corporativas.

De um lado, as relações rompidas. O bicho pegou para muita gente, o fluxo financeiro secou e sim, quem não tem teto de vidro sobre algum pagamento ou boleto que esteja atrasado por aí que comemore e siga fazendo o que está fazendo pois está funcionando. Mas sabemos que a realidade de muitos negócios não é bem essa e pouco fala-se sobre isso, embora falem muito sobre fail fast e importância do “fracasso”. É um efeito cascata: se um parou, param todos. Simples assim.

O ponto aqui é que ao primeiro momento, essas relações rompidas por um período de dificuldade e caos podem parecer uma perda ao próprio negócio. Afinal, já está no flow, conhece o ritmo, as demandas.  Mas já parou para pensar o quanto é bom mexer em time que está ganhando? Ou seja, você já sabe o que é bom, o quê funciona, como funciona, os gostos e necessidades dos clientes.

Então, será que uma chacoalhada não seria bom para você repensar o como sempre foi feito e testar novas possibilidades, que se não forem melhores ao menos vão gerar novos aprendizados? Ainda que essa revisão venha forçadamente a partir de um rompimento não esperado.

Romper não é só fim. Pode doer, mas é também recomeço.

E do outro lado, temos as relações aprofundadas. Daquelas pessoas que você nem imaginava, mas que quando você menos esperava, estão ali contigo, puxando fôlego para um mergulho no caos, não sabendo, mas com esperança, determinação e foco que vão voltar a respirar logo ali em frente. Questão de sobrevivência, uns diriam.

São as relações que se transformaram pela intimidade, pela conversa em vídeo dentro da minha e da sua casa, com uma roupa informal, provavelmente de chinelo e meia dado esse clima de Outono. Mas que você tem uma outra dinâmica de aproximação, de filhos humanos ou de patas que aparecem no vídeo em meio a reuniões, de outras conversas francas que em condições normais de temperatura e pressão, talvez não acontecessem.

É quase que uma aproximação intencional de pessoas que compartilham a mesma visão de mundo e que quando as duas partes se dão conta disso, ambas são potencializadas. Como se de maneira horizontal e basal, estabelece-se uma relação de coexistência. São novos grupos e dinâmicas se formando e oxigenando o ambiente corporativo.

O importante é reconhecer que cada um de nós vamos transitar entre as relações de rompimento e de intimidade e que ora esses movimentos vão partir de nós mesmos, ora do outro. Em alguns momentos será leve e tranquilo e em outros não será bem assim. Lembre-se disso antes de reagir à próxima conversa difícil ou íntima que venha a ter por aí.


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