<p><br /> Por Paulo Ferreira*<br /> <br /> A frase &eacute; b&iacute;blica e o princ&iacute;pio &eacute; t&atilde;o simples que qualquer crian&ccedil;a entende: n&atilde;o fa&ccedil;a aos outros aquilo que voc&ecirc; n&atilde;o quer que fa&ccedil;am a voc&ecirc;. A dificuldade de coloc&aacute;-lo em pr&aacute;tica, entretanto, continua assombrando nossas vidas h&aacute; mil&ecirc;nios. Inclusive a vida das empresas, as rela&ccedil;&otilde;es de mercado, a lei de oferta e procura e a economia como um todo.<br /> <br /> Sempre que algu&eacute;m diz que n&atilde;o ganha t&atilde;o bem quanto deveria, me sinto tentado a perguntar &ldquo;da &uacute;ltima vez que o encanador te deu um or&ccedil;amento, at&eacute; que ponto voc&ecirc; espremeu o pre&ccedil;o?&rdquo;. Do mesmo modo, sempre que um empres&aacute;rio fala da dificuldade em encontrar pessoas comprometidas, profissionais em n&iacute;vel de excel&ecirc;ncia, que fa&ccedil;am mais do que o m&iacute;nimo indispens&aacute;vel, sou tentado a perguntar &ldquo;e quando foi a &uacute;ltima vez que sua empresa concedeu um aumento que era mais do que o m&iacute;nimo indispens&aacute;vel?&rdquo;<br /> <br /> Sim, &eacute; o princ&iacute;pio da reciprocidade em a&ccedil;&atilde;o. Infal&iacute;vel. Mais cedo ou mais tarde, voc&ecirc; tem de volta exatamente o que entrega. Sempre vai ter o m&iacute;nimo indispens&aacute;vel dos funcion&aacute;rios a quem voc&ecirc; paga o m&iacute;nimo indispens&aacute;vel. Mas a explica&ccedil;&atilde;o disso pode ser bem menos nobre do que parece &agrave; primeira vista: numa sociedade permanentemente obcecada com a id&eacute;ia de &ldquo;pagar menos&rdquo;, voc&ecirc; est&aacute; inserido como consumidor e tamb&eacute;m como fornecedor. <br /> <br /> Nas sociedades baseadas em princ&iacute;pios de qualidade e excel&ecirc;ncia, n&atilde;o se cogita fazer determinado trabalho por menos do que ele vale. N&atilde;o se cogita trabalhar horas extras n&atilde;o-remuneradas. N&atilde;o se cogita desvalorizar o trabalho do seu semelhante, porque na volta, isso vai desvalorizar o seu pr&oacute;prio trabalho. E aqui cabe uma ressalva importante: isso vale para os seus semelhantes, aqueles a quem voc&ecirc; se compara e em quem se reconhece. Por isso, o princ&iacute;pio muitas vezes n&atilde;o &eacute; aplicado aos imigrantes dos pa&iacute;ses pobres: n&atilde;o se reconhece reciprocidade entre os que n&atilde;o s&atilde;o iguais. Mais ainda quando se trata de imigrantes ilegais: algu&eacute;m que est&aacute; ilegalmente num pa&iacute;s deve esperar passar por abusos ilegais: novamente, &eacute; o princ&iacute;pio da reciprocidade em a&ccedil;&atilde;o.<br /> <br /> Mas voltando ao tema: nas sociedades que realmente valorizam qualidade e excel&ecirc;ncia, n&atilde;o apenas o fornecedor n&atilde;o aceita ter seu pre&ccedil;o aviltado: o consumidor espera um determinado pre&ccedil;o e uma determinada qualidade condizente. A simples id&eacute;ia de barganhar indefinidamente com um profissional deveria ser abominada pelos profissionais de servi&ccedil;os, todos eles. Mas pergunte a um publicit&aacute;rio brasileiro se ele n&atilde;o vai barganhar com o arquiteto ou o encanador na hora de comprar servi&ccedil;os – como um bom filho da nossa sociedade do pre&ccedil;o m&iacute;nimo, ele vai. E depois sofrer&aacute; exatamente a mesma situa&ccedil;&atilde;o na hora de negociar seu sal&aacute;rio.<br /> <br /> Este &eacute; o resultado de viver numa &ldquo;sociedade do pre&ccedil;o m&iacute;nimo&rdquo;, obcecada por pagar menos e pela vantagem imediata do comprador. Esta &eacute; a sociedade e a economia que constru&iacute;mos para o nosso pa&iacute;s. E as nossas exce&ccedil;&otilde;es somente confirmam a regra: na hora de definir qual seria o m&eacute;dico a realizar a opera&ccedil;&atilde;o card&iacute;aca do seu pai, voc&ecirc; n&atilde;o iria ficar t&atilde;o obcecado pelo pre&ccedil;o m&iacute;nimo, certo?<br /> <br /> Portanto, antes que possamos participar verdadeiramente do grupo de na&ccedil;&otilde;es que lidera a economia ou criar impacto mundial com produtos e servi&ccedil;os que nascem da criatividade e da inova&ccedil;&atilde;o, do trabalho intelectual de indiv&iacute;duos e equipes de alto n&iacute;vel; temos que resolver o c&iacute;rculo vicioso criado pelas nossas &ldquo;car&iacute;ssimas&rdquo; – em v&aacute;rios sentidos – filosofias do &ldquo;pre&ccedil;o m&iacute;nimo&rdquo; e sua companheira constante, a filosofia das famosas &ldquo;solu&ccedil;&otilde;es caseiras&rdquo;.<br /> <br /> Somente quando estivermos dispostos a considerar qualidade e excel&ecirc;ncia como valores reais pelos quais devemos pagar diferenciadamente poderemos exigir este tratamento para nossos produtos e servi&ccedil;os. &Eacute; o princ&iacute;pio da reciprocidade. Nunca falha.<br /> <br /> * Paulo Ferreira &eacute; publicit&aacute;rio, escritor, roteirista, m&uacute;sico e compositor, atua como consultor especialista em Gest&atilde;o Estrat&eacute;gica de Neg&oacute;cios; &eacute; editor-contribuinte do All Music Guide e consultor de imagem e comunica&ccedil;&atilde;o da Wasaby Innovation.</p>
O preço mínimo e o princípio da reciprocidade
26 de outubro de 2009