<p>Por Marcos Bedendo*<br /> <br /> Ganhou as manchetes, durante a segunda quinzena de agosto, a not&iacute;cia de que trabalhadores em regime de escravid&atilde;o foram encontrados costurando roupas para a marca Zara. Isso nos faz refletir sobre a repercuss&atilde;o que essa informa&ccedil;&atilde;o teria caso a grife em quest&atilde;o n&atilde;o tivesse o conhecimento e o prest&iacute;gio que essa marca tem entre os consumidores. Se em vez de Zara, a nome fosse de uma pequena confec&ccedil;&atilde;o, ficariam todos estarrecidos e o assunto estaria sendo discutido na mesma magnitude?<br /> <br /> Provavelmente, n&atilde;o. Hist&oacute;rias envolvendo imigrantes ilegais vindos da Bol&iacute;via e Peru, e, at&eacute; mesmo de cidad&atilde;os brasileiros sendo mantidos em regime de escravid&atilde;o ou semiescravid&atilde;o – h&aacute; algum tempo, s&atilde;o denunciadas por ONGs e foram alvo de investiga&ccedil;&otilde;es das Pol&iacute;cias Civil e Federal. No entanto, quando uma grande marca &eacute; envolvida, a not&iacute;cia ganha a relev&acirc;ncia que deveria ter tido no passado.<br /> <br /> Temos a tend&ecirc;ncia de relegar a um submundo, que julgamos n&atilde;o fazermos parte, hist&oacute;rias escabrosas que n&atilde;o nos afetam. E somente quando essas hist&oacute;rias nos atingem num n&iacute;vel pessoal, nesse caso com grifes que usamos e admiramos, nos sentimos impelidos a fazer alguma coisa a respeito, mesmo que seja para mostrar a indigna&ccedil;&atilde;o por meio de coment&aacute;rios nas redes sociais. <br /> <br /> Foi assim tamb&eacute;m com a Nike, no in&iacute;cio dos anos 2000, em que foram encontrados t&ecirc;nis da marca sendo feitos por crian&ccedil;as no Sudeste Asi&aacute;tico. Nesse caso, a opini&atilde;o p&uacute;blica mundial se mobilizou para debater a situa&ccedil;&atilde;o em profundidade.&nbsp; At&eacute; mesmo as a&ccedil;&otilde;es da companhia perderam valor na bolsa de valores americana e a empresa prometeu aumentar o controle sobre os seus subcontratados e da mesma forma nos subcontratados de seus subcontratados.<br /> <br /> Esse poder de repercuss&atilde;o que grandes marcas possuem pode ser visto como uma das principais responsabilidades sociais delas e prop&otilde;e novos desafios aos seus executivos. A gest&atilde;o das marcas deve at&eacute; influenciar e ajudar a decidir assuntos que antes estavam muito longe de sua &aacute;rea de atua&ccedil;&atilde;o, como a defini&ccedil;&atilde;o de fornecedores.<br /> <br /> Essa perspectiva &eacute; muito positiva e deixa cada vez mais claro que a comunica&ccedil;&atilde;o das empresas necessita se pautar por valores morais, &eacute;ticos e respons&aacute;veis, valores esses que devem estar atrelados &agrave; miss&atilde;o e vis&atilde;o das organiza&ccedil;&otilde;es. &Eacute; uma fun&ccedil;&atilde;o social que as companhias precisam assumir perante a sociedade. Uma marca com esses valores pode, inclusive, em vez de gerenciar a crise a posteriori, levantar e discutir pontos que ainda n&atilde;o conseguiram a correta visibilidade da sociedade e liderar o caminho para que a ind&uacute;stria a qual faz parte possa ser mais justa com as pessoas, as comunidades e o meio ambiente.<br /> <br /> H&aacute; alguns exemplos para isso. Hoje sabemos contar calorias em fun&ccedil;&atilde;o da mobiliza&ccedil;&atilde;o da ind&uacute;stria aliment&iacute;cia. Aprendemos tamb&eacute;m pelas repercuss&otilde;es e publicidade dessa mesma ind&uacute;stria sobre a import&acirc;ncia do consumo de fibras, os efeitos do colesterol e a evitar gorduras trans. Tivemos um pouco mais de conhecimento com o epis&oacute;dio da Nike a respeito da explora&ccedil;&atilde;o e ambiente de trabalho de pa&iacute;ses cujos nomes n&atilde;o sab&iacute;amos antes do esc&acirc;ndalo dos anos 2000. E ainda com a ind&uacute;stria de cosm&eacute;ticos, sobre a explora&ccedil;&atilde;o do &oacute;leo de palma nas florestas africanas.<br /> <br /> O papel das redes sociais se faz muito presente nesses assuntos. Afinal, se julgamos que elas pouco t&ecirc;m a fazer para diminuir a corrup&ccedil;&atilde;o no governo, elas talvez causem estragos enormes na sa&uacute;de das marcas. Nesse caso, um retweet ou um compartilhamento no Facebook come&ccedil;ar&aacute;, quem sabe, a mudar a nossa percep&ccedil;&atilde;o de algumas marcas antes imaculadas.<br /> <br /> Os executivos das principais empresas globais e brasileiras est&atilde;o prontos para esses novos pap&eacute;is que eles devem desempenhar? Eles est&atilde;o aptos a discutir e abordar assuntos relevantes com os seus consumidores e a sociedade, em vez de focar nos benef&iacute;cios de seus produtos? E as companhias sentem-se preparadas para que as &aacute;reas de comunica&ccedil;&atilde;o assumam um papel ainda mais estrat&eacute;gico dentro das organiza&ccedil;&otilde;es, que podem inclusive conter a sele&ccedil;&atilde;o de fornecedores? Se as respostas &agrave;s perguntas acima forem negativas para a sua empresa, fica aqui o alerta: os consumidores j&aacute; est&atilde;o prontos!<br /> <br /> * Marcos Bedendo &eacute; professor de gest&atilde;o de marcas na gradua&ccedil;&atilde;o em comunica&ccedil;&atilde;o e administra&ccedil;&atilde;o da ESPM-SP.</p>
O papel social das marcas em crise
16 de setembro de 2011