O Jornalismo nunca terá o seu próprio “dilema das redes” Bruno Mello 4 de novembro de 2020

O Jornalismo nunca terá o seu próprio “dilema das redes”

         

Precisamos admitir que perdemos controle, como o rapper americano Nelly diz na canção "Dilemma": "Não importa o que eu faço/ Tudo o que eu penso é em você"

O Jornalismo nunca terá o seu próprio "dilema das redes"
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O principal ponto do documentário recente da Netflix, O Dilema das Redes, é que o acúmulo de informações pessoais e identificáveis dá às plataformas sociais o poder de manipular nossas personalidades, nossos altos e baixos, nosso comportamento e nossos valores mais importantes. É tão viciante como a nicotina, para quem experimenta pela primeira vez.

Essa mensagem está no que o documentário diz ser o principal objetivo dessas plataformas: que passemos mais e mais tempo em seus aplicativos. Elas conseguem essa meta por algoritmos nefastos, designs viciantes e táticas sofisticadas que apelam ao medo de perder ou deixar algo passar.

Vale a pena notar que o Facebook contestou publicamente essas acusações ao dizer que sua estratégia é sobre valor, não vícios, que as fontes do documentário não trabalham para uma plataforma de mídia social há anos e não conseguiriam relatar um cenário atual de forma realista.

Ao olharmos para além das mídias sociais, focando na web aberta e em sites de notícia, onde se consome jornalismo, pode-se argumentar que qualquer outro site também compete com as redes sociais pelo mesmo – e tão precioso – tempo e atenção. A diferença é que o jornalismo nunca terá o seu próprio “dilema das redes”.

Ninguém está minando e manipulando informação sobre você na web aberta

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Ninguém sabe sua identidade quando você visita portais de notícia. Estes não podem ver informações pessoais identificáveis sobre você. Não sabem seu nome, idade, gênero, amigos ou hobbies, o que significa que não há uma identidade para manipular.

Consciência e democracia impulsionadas por equipes editoriais (contra a mídia social)

Quer gostemos ou não dos pontos de vistas sugeridos por sites e equipes editoriais na web aberta, estas são criadas e curadas por humanos, livres de controle governamental e do controle de máquinas. Isso vai de encontro às plataformas de mídia social, nas quais o feed é alimentado por máquinas com o objetivo de nos viciar e capturar mais de nossa atenção e, no fim das contas, nossa consciência.

O trabalho de uma equipe de edição não é apenas criar e sugerir conteúdo livre de controle automatizado, mas também filtrar o ruído. São qualificados para tomar decisões sobre qual informação “deve estar no topo”, e qual informação vale menos tendo em vista a situação econômica de um país, por exemplo.

Equipes editoriais são a conexão entre notícias e as pessoas, e a democracia é um sistema baseado no princípio de governar “do povo, pelo povo, para o povo”. Expor as pessoas a uma variedade de opiniões e educá-las sobre essas é a chave para nosso futuro. É por isso que a web aberta importa: ela oferece apoio para o direito básico de receber educação, manter nossa consciência segura e de não ser manipulado.

Calorias vazias contra alimentação equilibrada 

O jornalismo tem um aspecto de inovação e diversidade em sua “voz editorial”. Você irá encontrar novas ideias e diferentes pontos de vista e opiniões em sites de notícia, diferente de um feed de mídia social essencialmente abastecido por inteligência artificial desenhado para ser sua bolha, uma câmara de eco.

Toda veículo de comunicação no mundo adoraria ter mais minutos da atenção dos usuários que os visitam para que lessem, visualizassem e interagissem mais, ou se cadastrassem em sua newsletter, por exemplo. Quando você dá mais de sua atenção para eles, esse tempo terá um significado. Você provavelmente aprenderá algo que não sabia ou irá ouvir uma nova opinião sobre algo que importa para você. As plataformas de mídia social se alimentam da necessidade de aprovação e interação sociais para influenciar suas ações. Isso não existe em sites de notícia.

Consumir conteúdo em sites de mídias sociais é como consumir “calorias vazias”, enquanto o tempo gasto consumindo conteúdo fundado nas éticas do jornalismo é como uma refeição bem equilibrada. Não é fácil escolher brócolis ao invés de açúcar, mas sabemos o que é bom para nós. Coma brócolis.

Não há dilema

Precisamos admitir que perdemos controle, como o rapper americano Nelly diz na canção “Dilemma”: “Não importa o que eu faço/ Tudo o que eu penso é em você”. Estamos fisgados, e não conseguimos parar de pensar sobre as redes sociais.

Enquanto o mundo passa por uma das maiores crises de todos os tempos, uma pandemia global, há uma coisa positiva para tirar de tudo isso, e que geralmente acontece em tempos assim. Somos todos, empresas e pessoas, forçados a repensar se estamos fazendo tudo que podemos para sermos melhores, e nos perguntar se há algo que podemos fazer de forma diferente.

O caminho que estamos leva à divisão da sociedade e comunidades em declínio, a não ser que façamos algo sobre isso. O jornalismo e a web aberta são críticos para a democracia, nossa educação e a paz. Precisamos de notícias locais, nacionais, sites verticais e a web aberta para permanecermos fortes. Estou otimista que isso tudo vai vencer porque nós damos valor a tal, e porque precisamos que vença.

Também é um bom momento para pensar sobre nosso “tempo” e em como o gastamos, e a importância da web aberta, comandada por pessoas, não máquinas.

Eu não tenho dilema. Eu escolho a web aberta e o jornalismo.


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