O dia em que deixaremos de fazer compras 25 de agosto de 2014

O dia em que deixaremos de fazer compras

         

Os produtos que eu quero simplesmente chegarão à minha casa. Sem ter de pedir, sem ter de comprar. Como mágica, quando passar pela portaria do prédio, haverá uma encomenda

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Eu tenho um sonho. Não precisar mais fazer compras. Diga-se que sou um sonhador, mas não sou o único. Você pode unir-se a nós. Bem, eu confesso para vocês, detesto ter de ir ao shopping ou ter de ir ao supermercado. Quando vou a lojas, levo uma lista e procuro sair o mais rápido possível – e contabilizo os meus recordes. Sei que não sou o único. Em algum tempo, nós seremos a maioria. Só precisamos de empresas que comprem por nós. Isso mesmo: assim como empresas possuem departamento de compras, nada como pessoas físicas também poderem ter esse luxo. Ou talvez nem seja luxo, mas uma necessidade.

Se é verdade que tempo é dinheiro, fazendo compras sinto que estou pagando o dobro pelo produto. Ali está o preço do próprio produto, assim como o preço do meu tempo, que eu certamente poderia empregar de uma forma ou mais produtiva ou mais divertida. Poderia ler um livro, poderia estar com os amigos, poderia acumular a soma de tempo gasta comprando (quanto desperdício!) e fazer uma viagem a um destino onde eu certamente gastaria dinheiro, mas não é o mesmo que fazer compras. Gosto de ir a um bom restaurante, beber cerveja em um bar aconchegante e conhecer um lugar interessante, mas as mulheres que me perdoem: detesto ir a uma loja ou bater pernas no shopping. É entediante. É desumano.

Tudo chegará à minha casa sem eu pedir, como eu quero
O dia em que deixaremos de fazer compras talvez não esteja tão distante. Os sites de comércio eletrônico fazem uma parte disso que proponho. Muitas vezes, consigo deixar de ir ao shopping e faço o pedido pela Internet. Mas isso ainda é fazer uma compra. Preciso fechar o pedido, escolher o produto que melhor se adequa ao meu perfil, preencher formulários gigantescos e inserir dados de cartão de crédito, etc. Tudo conforme uma loja física, mas sem a necessidade de locomoção.

Mas o que eu desejo é outra coisa: os produtos que eu quero simplesmente chegarão à minha casa. Sem eu ter de pedir, sem eu ter de comprar. Como mágica, quando eu passar pela portaria do prédio, haverá uma encomenda para mim.

Estarão lá as compras alimentícias do mês, o tênis que eu irei precisar ou o meu celular que está no momento de trocar. Até mesmo o livro que eu preciso ler chegará, como um amigo que me presenteia e acerta em cheio no gosto. Me surpreendendo. E se eu não gostar? Bem, aí o problema é de quem me enviou. Solicito uma devolução apenas abrindo um app, sem explicar o motivo. Afinal de contas, foi o meu departamento de compras que errou.

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E, quando já houver muita concorrência nesse setor, seremos “premiados” pelos pedidos errados. Enviarão um vinho junto com uma carta de desculpas, escrita a mão. Sim, meus caros amigos, o dia em que deixaremos de fazer compras já está se aproximando.

Sonho possível
Alguns dirão que eu sou lunático. Que nenhuma empresa irá topar a empreitada de acertar algo tão subjetivo quanto o gosto de uma pessoa – e olhe que eu tenho as minhas excentricidades. Mesmo que dificilmente os atuais sistemas de sugestão de compras num e-commerce acertem o meu gosto, sei que é perfeitamente factível isso ser desenvolvido e disponibilizado no mercado. É um conselho aos varejistas que eu dou de graça.

Imagine a cena, que incrível: você se cadastra em um site, define o seu salário, cadastra as suas contas de consumo, responde a algumas perguntinhas e esse maravilhoso sistema já organiza o seu planejamento de compras: tantos por cento vai para alimentação, tanto vai para vestuário, tanto para moradia, outro tanto para tecnologia, etc. Sem contar a parte que irá investir em uma poupança ou produtos financeiros, com a rentabilidade e o risco ideais para seu perfil de investimento – do arrojado ao conservador.

Ele irá saber os seus gostos e comprar as comidas que você precisa comer, na quantidade correta, de modo que não perca nada por passar da validade (um sonho para os solteiros!). Ele informará que em tantos meses deverá chegar o seu celular novo, mas isso bem pode atrasar porque de acordo com o seu perfil de consumo ele precisará encontrar a melhor relação custo x benefício. E nós sabemos que os preços variam de acordo com o mercado. Porém, com o passar do tempo meu departamento de compras conhecerá mais de mim e saberá quando deve esperar ou não. Se ele estiver com dúvidas, poderá incomodar me perguntando se quero ou não determinada oferta. Bastando um clique, ou ainda uma ligação no meu celular.

Não existe almoço de graça
Qual o preço disso? Bem, não existe almoço de graça, nós bem o sabemos. O preço poderá ser alguma comissão do serviço sobre as compras, uma mensalidade, ou num futuro mais distante, porém possível, estará atrelado ao preço do produto – porque todos os sites de comércio eletrônico farão isso! Eu disse TODOS, o que inclui, claro, somente aqueles que sobreviverão a tamanha mudança no mercado. Como há exceção a toda regra, certamente existirão sites e lojas onde ocorrerá a monstruosidade de fazer compras.

Agora falando sério, na verdade o preço realmente caro a que nem todos talvez dispostos a pagar é a sua privacidade. Todos os seus gostos, todos os seus comportamentos, enfim, você como um todo precisará estar registrado em uma base de dados gigante – ou então o seu departamento de compras não poderá se responsabilizar pelas compras erradas. E aí, não haverá nenhum PROCON ao qual recorrer, meu caro consumidor.

Sim, o preço mais caro será a sua privacidade. Você está disposto a abrir mão dela? Abdico de minha privacidade! É importante que saibam: abdico de minha privacidade e digo que fico com o departamento de compras. Embora a alguns assuste não ter privacidade, gostaria de tranquilizá-los, o que para alguns é deixar em pânico: nós já não temos privacidade.

Tudo o que fazemos na Internet é rastreado, está salvo na gigante base de dados – o famoso Big Data – de alguma grande empresa. As empresas que possuem essa informação apenas não fazem muita coisa com tudo o que podem saber de nós. É muita informação e talvez ainda pouca inteligência para organizar tantos comportamentos diferentes. Somos 7 bilhões de pessoas no mundo!

Cedendo mão de nossa privacidade, deixaremos de ser um público-alvo, que inclui pessoas com alguma mas não total probabilidade de comprar, e em campanhas de marketing seremos tratados individualmente. Não haverá nenhuma lista de compras igual a outra no mundo. Assim como todas as pessoas são únicas.

Eu quero deixar de fazer compras. E você?
 


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