NRF e o varejo global: um caldeirão de idéias 15 de fevereiro de 2011

NRF e o varejo global: um caldeirão de idéias

         

Um balanço e as perspectivas para o varejo norte-americano e os paralelos para a realidade brasileira

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<p>Por Alberto Serrentino*<br /> <br /> A economia americana recupera-se lentamente da crise vivida entre 2008 e 2009. O varejo vive um momento de alívio, com as vendas de 2010 tendo crescido 6,8% sobre o ano anterior. O Brasil, em comparação, teve crescimento real superior a 10%, porém, sobre uma base elevada, pois em 2009 o crescimento havia sido de 5,9% e nos dois anos anteriores, 9,1% e 9,7%. A comemoração nos EUA é tímida porque o desemprego continua elevado (9,4%); os consumidores vivem processo de “desalavancagem”, buscando reduzir o nível de endividamento e exposição em tomada de crédito. Além disso, o mercado imobiliário continua depreciado em relação aos níveis pré-crise, o que pressiona as hipotecas.</p> <p>No entanto, no topo da pirâmide há um movimento de recuperação mais forte, com o mercado Premium e de luxo mostrando maior vigor. A Saks, por exemplo, teve crescimento de 15% nas vendas de Natal em comparação com 2009, que foi um ano muito ruim. No mercado de massa a retomada é mais lenta e cautelosa. Para as empresas de varejo ainda há atitude cautelosa, com racionalização de recursos, fechamento de lojas e operações deficitárias e proteção do caixa. Com a recuperação na demanda, as empresas alcançam resultados positivos e boa situação de liquidez tem permitido avançar em investimentos para internacionalização e desenvolvimento de canais digitais. <br /> <br /> Algumas tendências emergem e outras se consolidam ao se extrair inspirações da NRF e do varejo americano. <br /> <br /> <strong>Multicanal </strong>– o tema é recorrente, mas ganha novas cores a cada ano que passa. De um lado, cristaliza-se a necessidade de definir uma estratégia para a marca que permita visualizar o cliente de forma única e integrar os canais de forma sinérgica, caracterizando o varejo sem fronteiras. Em estudo realizado pela IBM, evolui-se do multicanal para o cross channel (vendas cruzadas) e  para omni channe , onde os canais são parte de um todo indivisível. De outro lado, mobilidade e redes sociais ampliam seu potencial de relacionamento e alavancagem dos canais internet e loja. </p> <p>O estudo da IBM entrevistou 30.000 consumidores de 13 países e identificou que 49% deles usam 2 ou mais canais digitais – que incluem internet, celular e quiosques em loja. O estudo também identificou que 40% dos entrevistados desejam checar preços de produtos onde estiverem, o que amplia o uso do celular como instrumento ativo no processo de compra.  <br /> <br /> <strong>Mobilidade</strong> – o potencial do celular como instrumento de informação, comunicação e relacionamento é um dado; sua utilização como ferramenta de apoio a operações de lojas também, como faz a Apple em suas lojas, nas quais o celular torna-se terminal de consulta, processa venda, captura cartões de crédito e gera emissão de nota fiscal digital. Como canal de venda sua penetração ainda é muito limitada, mas a internet móvel baseada em celulares e tablets vem sendo incorporada crescentemente por consumidores em seus percursos de compras nos demais canais e empresas de varejo vêm testando formas de tirar proveito disso. No mercado norte-americano, a elevada penetração de celulares inteligentes – smart phones – e a concentração de plataformas em iPhone, RIM e Android geram escala para viabilizar a proliferação de aplicativos e ferramentas que incorporam o celular na rotina de compras. <br /> <br /> Na Target – rede de lojas de descontos e supercenters – coupons e gift cards digitais são enviados para o celular e podem ser resgatados nos caixas das lojas; o celular também permite gerar, controlar e modificar listas de presentes; é possível ainda pesquisar disponibilidade de produtos no estoque das lojas, acessar resenhas e rankings sobre itens que a loja oferece. <br /> <br /> A francesa Casino – empresa sócia do Grupo Pão de Açúcar – possibilita gerenciar no celular lista de compras. Há aplicativos que permitem identificar o cliente quando entra na loja e, a partir da leitura de sua lista, enviar atualizações de preços, sugestões e ofertas personalizadas.  <br /> <br /> A britânica Argos permite, a partir de um aplicativo, consultar via celular disponibilidade de estoque e preços de itens específicos, além de reserva para compra e retirada na loja. As redes de lojas de departamentos Macy’s e Bloomingdale’s também possuem aplicativos que permitem checar disponibilidade e produtos em lojas específicas e realizar compras usando o celular. No caso de compras via internet ou celular, a empresa aboliu a cobrança de frete para pedidos acima de US$ 99, tornando os canais digitais mais atraentes e competitivos.<br /> <br /> O aplicativo para iPhone do site eBay tinha 6 milhões de usuários em 2009, que realizaram mais de US$ 500 milhões em transações usando o celular. Em 2010 o número de usuários pulou para 30 milhões e as transações para US$ 2 bilhões.  <br /> <br /> O Shop.org – braço da NRF voltado ao varejo digital – realiza, juntamente com a Forrester Research, estudo anual sobre o varejo digital, a partir de pesquisa com varejistas que vendem pela internet nos EUA. Em relação a mobilidade, 26% das empresas ainda não possuem estratégia; 36% estão desenvolvendo estratégia; 8% têm estratégia, mas ainda não implantaram; 10% têm estratégia e estão começando a implementá-la e 20% já têm estratégia implantada e estão refinando. O objetivo para 60% das empresa para o canal celular é gerar tráfego e receitas para o comércio eletrônico, mas em média apenas 2,8% do tráfego do site vêm de acesso móvel. A expectativa de participação do canal móvel no total de vendas online é de apenas 2%. <br /> <br /> Do lado do consumidor, há disponíveis diversas funcionalidades que permitem enriquecer o processo de compra, tornando-o mais conveniente e com maior nível de informação. O Shopkick usa geo-localização aliada a cuponagem digital para relacionamento com clientes. É uma plataforma multibandeira, pela qual o consumidor se cadastra para ser “reconhecido” ao chegar em uma loja parceira do programa. Quando um cliente de posse do iPhone com o aplicativo entra em uma loja parceira, recebe pontos em seu celular, que podem ser utilizados para compras. Lojas também podem enviar cupons e ofertas personalizadas ao identificar o cliente. Nas lojas da Best Buy habilitadas, isto ocorre em até 10 segundos da entrada do cliente. <br /> <br /> Já com o Amazon Remembers é possível fotografar produtos, realizar a carga da imagem e receber da equipe da Amazon.com e-mail com oferta para compra instantânea, que pode ser realizada pelo celular usando o processo de compra rápida do site (one-click- purchasing).  O Goggles do Google permite identificar imagens de locais, obras de arte, monumentos e eventualmente produtos, para acessar informações sobre os mesmos. Este tipo de tecnologia de reconhecimento de imagem terá rápido desenvolvimento e permitirá acesso instantâneo a informações, comparações, resenhas e preços de produtos, em qualquer local onde o consumidor esteja. <br /> <br /> <strong>Compras sociais</strong> – o fenômeno das redes sociais ganhou recentemente maior visibilidade em função do valor de US$ 50 bilhões atribuído ao Facebook e ao filme que retrata a breve história de seu fundador. Como canais de vendas, seu alcance ainda é limitado, mas o potencial de integrar as redes para potencializar compras em outros canais pode ser relevante. <br /> <br /> A Best Buy lançou o Twelpforce no final de 2009. O serviço, que permite aos clientes enviar perguntas via Twitter sobre as categorias de produtos vendidas pela Best Buy, recebeu 36.000 perguntas em 14 meses e gerou mais de 36.000 links para o site da marca. A empresa está estendendo o Twelpforce  para Facebook e integrando-o ao site.  <br /> <br /> Recentemente, sites de compras coletivas tornaram-se notícias por evidenciar o poder viral da internet, mesmo para compras eletrônicas. O Groupon, líder nos EUA, realizou uma promoção com a Gap na qual vales compras de US$ 50 eram vendidos por US$ 25, mas só poderiam ser utilizados nas lojas. A ação gerou 441.000 vendas e um grande tráfego de clientes nas lojas físicas. O LivingSocial fez promoção similar com a Amazon.com, vendendo gift cards de US$ 20 por US$ 10 e teve 1,3 milhões de transações em um dia. No Brasil, Peixe Urbano, Clube Urbano – adquirido pelo Groupon – e ClickOn dominam o mercado e vêm crescendo de forma acelerada.<br /> <br /> A pesquisa do Shop.org acima citada levantou que 59% das empresas acham difícil calcular o retorno sobre investimento de ações de marketing em redes sociais, enquanto 80% entendem que o momento é de experimentar e se familiarizar com as mesmas. Oitenta e seis porcento mantém páginas ativas em redes sociais, 78% mantém microblogs como Twitter e 64% blogs ou comunidades da marca. Estar nas redes sociais não é mais uma escolha das marca, os clientes podem decidir isto por elas. Tentar fazer disso uma alavanca para canais de venda pode ser uma estratégia de negócios a médio e longo prazo. <br /> <br /> Portanto, internet, quiosques em lojas e integração desses com as lojas físicas e catálogos avançam rapidamente como canais relevantes e rentáveis. De outro lado, mobilidade e redes sociais incorporam-se nos processos de compras e ampliam velocidade, informação, compartilhamento e conveniência, tornando a equação multicanal mais complexa e desafiadora para o varejo. <br /> <br /> <strong>Transparência </strong>– com a proliferação de canais digitais e formas de acesso em tempo real a informação sobre produtos e preços, as marcas de varejo precisam adotar posturas de transparência na sua relação com os clientes. Seus canais – principalmente as lojas – devem simplificar o acesso à informação, comparação e expor produtos e preços de forma aberta, aproximando a informação do cliente e deixando que a decisão seja tomada de forma mais consciente. A Best Buy já disponibiliza códigos de barra bidimensionais em suas etiquetas de produtos das lojas, assim clientes que usem aplicativos para celular para leitura podem facilmente acessar informação sobre os produtos e checar preços. <br /> <br /> De outro lado, a loja tem política de cobrir ofertas de concorrentes instantaneamente e sem burocracia, o que reforça a confiança para o comprador. Na Whole Foods, rede de supermercados norte-americana 100% voltada para produtos orgânicos ou naturais, a carne e o peixe são certificados e classificados. Assim, o cliente tem informação sobre origem do produto e métodos de produção e pode decidir de forma mais consciente como e o que consumir. A Tesco, maior varejista britânica, indica em suas lojas as pegadas de carbono dos produtos, para que consumidores saibam o impacto ambiental de suas escolhas. <br /> <br /> <strong>Sustentabilidade </strong>– é boa para a marca, pois a aproxima dos consumidores; boa para o negócio, porque permite reduzir desperdícios e despesas, melhorando rentabilidade; e bom para o planeta, que continua reproduzindo padrões de consumo incompatíveis com a preservação do meio ambiente para as gerações futuras. Práticas sustentáveis vêm sendo incorporadas pelo varejo em lojas, produtos, processos e relação com a comunidade. O conceito abrange frentes sócio-ambientais. É importante que a sustentabilidade se torne um valor corporativo, seja disseminada na organização e que as ações sejam comunicadas aos consumidores nos canais e pontos de venda. <br /> <br /> A Whole Foods tem sustentabilidade como pilar da marca. A loja comunica atributos ligados a suas iniciativas e engaja colaboradores e clientes. Além da seleção do sortimento,  rastreabilidade e certificação de produtos, há valorização de fornecedores locais e, recentemente, a marca abraçou a causa da alimentação saudável e orientação para controle de peso. O programa foi batizado como “Saúde Começa Aqui” (Health Starts Here), e combina informação, orientação, receitas, cursos, livros, comunicação, eventos e assessoria para os clientes. A loja aditou o Índice de Densidade Nutricional Agregada – ANDI (Aggregate Nutrient Density Index), que traz a densidade nutricional dos alimentos em escala de 1 a 1000. <br /> <br /> Assim, os produtos são identificados pelo seu grau de micronutrinentes e pontuação na escala ANDI. Além disso, a loja destaca produtos mais saudáveis, dispõe de nutricionista para orientar gratuitamente os clientes, disponibiliza receitas onilne e vem ampliando a oferta de comida pronta saudável. A Whole Foods também desenvolve ações com a comunidade, envolvendo escolas, igrejas e liberando tempo de seus funcionários, voltadas inclusive para meio-ambiente. <br />  <br /> A REI é uma rede de artigos esportivos voltados à prática de esportes ao ar livre. Seu modelo de negócios é de cooperativa de consumo, na qual seus sócios são 3,8 milhões de clientes. A empresa devolve a seus clientes em média 10% do valor de compras de produtos não remarcados realizadas ao longo do ano, como dividendo. A loja realiza ações junto à comunidade para estimular crianças a praticar atividades ao ar livre e a interagir e respeitar o meio-ambiente. Eles vêm investindo em lojas mais sustentáveis e aboliram todos os tablóides impressos para evitar desperdício de papel. <br /> <br /> A britânica Tesco tem como meta zerar as emissões de carbono de seu negócio até 2050, enquanto o Walmart conseguiu reposicionar sua marca a partir de um ambicioso programa de sustentabilidade que integra o negócio com sua cadeia de valor. <br /> <br /> No Brasil O Boticário possui uma fundação desde 1990, que recebe 1% da receita anual da companhia e mantém 2 reservas naturais. Na Natura a linha Ekos valoriza a exploração sustentável da bio-diversidade da floresta amazônica, envolvendo comunidades locais. A empresa possui um programa de carbono neutro desde 2007, com meta de redução de 1/3 das emissões até 2011. Recentemente, foi classificada em 1º lugar dentre 1000 empresas no 1º ranking de impacto de carbono no ambiente, elaborado pela ONG Environmental Investment Organization. O Grupo Pão de Açúcar é uma empresa historicamente comprometida com a sustentabilidade e possui diversos projetos voltados a coleta seletiva, reciclagem, redução de consumo de sacolas plásticas, racionalização de energia e recursos naturais, além de várias ações sociais e voltadas ao esporte. <br /> <br /> <strong>Experiência </strong>– à medida em que o varejo digitaliza-se e que a tecnologia ganha espaço nos processos de compra, questiona-se o papel das lojas. A capacidade de inovação do varejo permite transformar a experiência de compra e manter a relevância dos pontos de venda físicos. A experiência pode ser traduzida de diversas formas: na valorização, coordenação e exposição dos produtos, como fazem Abercrombie & Fitch, Uniqlo, Crate & Barrel, Le Lis Blanc ou Osklen. O poder do merchandising visual de agregar valor aos produtos cria experiências nas lojas; outra forma é na personalização e interatividade, como a possibilidade de montar um tênis exclusivo nas lojas da Nike, Adidas, Puma ou Converse; experimentação e vivência dos produtos também gera experiências, como nas lojas da Apple; ambientes, sensorialidade e tematização podem contribuir para a experiência, como em lojas da Louis Vuitton, as novas lojas da Disney, ou na Livraria Cultura; a loja é um espaço de informação e educação, como na britânica Currys; experiência vem também de surpresas, como as ofertas imperdíveis da Costco ou das linhas temporárias de design autoral em formatos de massa, como Jimmy Choo para H&M, Kate Moss para Topshop, Amir Slama para C&A ou Oskar Metsavat para Riachuelo; ou no espaço Eataly, originalmente realizado em Turim na Italia e reproduzido no Japão e EUA. Em um ambiente fluido e estimulante, mescla-se gastronomia, alimentos e cultura, valorizando tipicidades regionais e pequenos produtores. É possível explorar, conhecer, consumir, comprar e vivenciar a cultura da enogastronomia. <br /> <br /> Portanto, lojas tornam-se espaços onde além de comprar é possível se informar, personalizar e aprender. A experiência está em envolver, estimular, ativar sentidos, informar, educar, experimentar, surpreender e permitir interação humana. A visita à loja deixa de ser mera necessidade, e passa a ser motivada por desejo e prazer. E varejo vive de vendas, portanto a experiência deve levar as pessoas a aumentar tráfego, permanência, conversão e gasto médio a cada visita às lojas.  <br /> <br /> <strong>Pessoas </strong>- varejo continua sendo um negócio de “gente para gente”. Empresas que conseguem se distinguir na capacidade de entregar atendimento, serviço e envolvimento diferenciados aos seus clientes, possuem traços comuns entre si. Lojas como Crate & Barrel, Whole Foods, The Container Store, Costco, REI, PetsMart, Nordstrom e Apple possuem forte cultura e sistema de valores; colocam as pessoas em primeiro plano; buscam perfis corretos, com muita ênfase no recrutamento, em alinhamento de valores e atitude; investem continuamente em treinamento e desenvolvimento de pessoas; oferecem oportunidades de crescimento, aprendizado e ascensão de carreira; engajam colaboradores, que tornam-se embaixadores da marca e apaixonados pelo negócio; possuem em geral modelos de gestão com maior grau de descentralização e dão autonomia e poder para colaboradores que estão em contato com os clientes; finalmente, remuneram acima do mercado e recompensam desempenho superior, adicionando benefícios ou flexibilidade como diferenciais.  <br /> <br /> Empresas com as características acima normalmente entregam melhor serviço, possuem menor turn-over e alcançam maior envolvimento das pessoas com a marca. Acreditam que tratando bem os colaboradores, estes tratarão bem os clientes, que por sua vez recompensarão a marca e gerarão valor para os acionistas. <br /> <br /> * Alberto Serrentino é Consultor e sócio sênior da GS&MD – Gouvêa de Souza.</p>


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