Negócio da China? 22 de dezembro de 2011

Negócio da China?

         

Marcas se transformaram em slogans atrativos dos produtos que vendem. Coca-Cola virou Kekoukele, que quer dizer ?Saborosa Diversão?, além de foneticamente similar ao original em inglês

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Para cada cultura, vários rituais. Para cada ritual, um modelo de negócios. Segundo o New York Times, o mercado de bens de consumo chinês cresce mais de 13% ao ano e as vendas de bens de luxo avançaram 25%. Para fazer desta uma imensa oportunidade de negócios, marcas internacionais estão se adaptando à cultura local, a começar pelos seus próprios nomes. 
 
Em uma cultura onde as palavras (e os ideogramas) têm significados profundos e muito específicos, traduções homófonas perdem a força para expressões que façam sentido no mandarim ou no cantonês. Com isso, as marcas se transformaram em slogans atrativos dos produtos que vendem. Coca-Cola virou Kekoukele, que quer dizer “Saborosa Diversão”, além de foneticamente similar ao original em inglês. E Bing, o buscador da Microsoft, cuja sonoridade se associava a defeito e vírus, virou Bi Ying, aquele que “responde sem falhas”. 
 
A diferença com as marcas que adotaram apenas o aposto explicativo é grande: Citibank,“o banco da bandeira de listras e estrelas”, oferece um referencial visual mas não traz atributos de venda. Mas certamente tem mais força que Cadillac, traduzido pelos fonemas Ka di La ke, sem sentido algum. 
 
Em tempo: cerca de 35% das solicitações para registro de marcas não se efetivam tanto pela existência local de marcas similares como pelo fato de a marca ser internacional demais ou genérica demais. 
 
As diferenças culturais são tão intensas que, assim como acontece nas trocas de objetos, o primeiro dono de uma marca (ou produto) é aquele que detém, para sempre, a sua posse. Por exemplo, a marca iPAD, registrada pela chinesa Proview antes mesmo da existência dos conhecidos tablets da Apple, e depois vendida para a empresa inglesa IP Applications que os vendeu para a Apple. Para os juízes chineses, “a casa mãe da Proview” não participou das negociações finais e nem fez a transferência das marcas formalmente, logo é possível que a marca, que responde a 74% das vendas de tablets na China, seja impedida de vender localmente.
 
Para além das palavras, os sentidos
Um dos mais aquecidos do planeta, o mercado de veículos de passageiros na China representa 13 milhões e 800 mil vendas por ano.
Porém, as relações com marcas são completamente diferentes quando comparadas ao resto do mundo, fazendo com que estratégias inteiras de marca tenham que ser ressignificadas.
 
Mercedes-Benz, símbolo de poder em todo o mundo, é carro de idoso. A BMW remete a arrogância depois que uma jovem rica tirou a vida de um homem pobre que amassou seu carro por acidente.  A alemã Audi, uma das primeiras a entrar no mercado local, ganhou a confiança da oligarquia chinesa e virou o ícone dos Governantes dominando o Centro de Compras do Governo Central Popular. Mas luxo mesmo é o Buik, da General Motors, a marca mais antiga da indústria nos EUA: 550 mil carros em 2010, o triplo de vendas de seu pais de origem. 
 
Se para o conteúdo os processos são distintos, imagine para a forma. Ainda não existe o boca-a-boca para vender ou recomendar marcas, pois são todas muito novas. E os canais de comunicação são bem peculiares: uma novela exibida nas telas do metrô pode ter mais êxito que uma campanha convencional. Que tal: um copo de café do Starbucks, num país adepto ao chá, vira um gift para todo o dia: os chineses não os descartam e os abastecem com outras bebidas.
 
O que fazer com a unidade das marcas? Como manter a linguagem corporativa e os rituais de uma marca sem entrar em crise esquizofrênica de imagem? Convido Tânia Hoff, Doutora em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM para, à luz da teoria, trazer subsídios ao debate.
 
MP: Paulo Freire fala do conceito de palavra-mundo. Como aplicá-lo ao processo de expansão cultural das marcas?
TH: O conceito “palavra-mundo” implica a vivência e o entendimento que o sujeito tem das realidades em que está inserido. “Ler a palavra-mundo”, conforme Paulo Freire – pensador da educação –, significa ler o mundo antes de ler a palavra escrita. Remetendo às marcas, quando elas se constroem num processo semelhante à “palavra-mundo” – vivências constitutivas do sujeito – , elas têm significado para o(s) público(s). As marcas precisam ser construídas nos mercados, sejam os locais ou os globais, por meio de interações com os sentidos engendrados no cotidiano, nas práticas socioculturais. 
 
MP: Quando se estuda a análise do discurso das marcas, não seria conveniente estudar a análise do discurso dos mercados?
TH: A Análise de Discurso tem como objeto os sentidos ou significações vivenciadas pelos sujeitos a partir de uma perspectiva social, isto é, do sujeito ocupando seu “lugar” nas relações sociais. Assim, analisar os discursos dos mercados é um caminho necessário: considere-se quão importante é estudar os discursos dos mercados locais para as ações de negócios globais, por exemplo.
 
MP: Marcas são aquilo que elas oferecem. Como abarcar os ritos e mitos locais como subestratégias de um mito global sem perder a sua essência?
TH: Toda cultura é diversificada, é “mistura”; de modo que uma sociedade comporta muitas culturas. No que se refere às marcas, elas carecem sempre de algo que promova aderência junto ao(s) seu(s) público(s), em outros termos, que promova sentidos junto ao público. Nessa perspectiva, os mitos locais são os ancoradouros dos sentidos e significações que, no âmbito micro, consolidam as estratégias globais das marcas. A análise de discurso é um possível caminho para traduzir o global no local. 
 
 
Se em Roma com os romanos, se na China com os chineses, uma marca é o que ela entende que está oferecendo para as pessoas ou o que as pessoas entendem que a marca está oferecendo? Fique com este silogismo. É um gift para você!
 
Negócio da China?
 
* Marina Pechlivanis é sócia diretora da Umbigo do Mundo, Mestre em Comunicação e Consumo pela ESPM, Integrante do GEA AMPRO (Grupo de Estudos Acadêmicos)  e co-autora do livro Gifting (Campus Elsevier, 2009).

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