Mudanças comportamentais em diferentes setores pós-COVID Bruno Mello 27 de maio de 2020

Mudanças comportamentais em diferentes setores pós-COVID

         

O que estamos passando agora é facilmente observável, mas qual o efeito do isolamento no comportamento futuro? O que os profissionais de Marketing podem fazer hoje pensando no pós-isolamento?

Mudanças comportamentais em diferentes setores pós-COVID
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Estamos vivemos diversas mudanças comportamentais no momento do isolamento social. Para o designer e semioticista Ricardo Tucci, vivíamos uma anormalidade pré-COVID19 e após o fim do isolamento, mudaremos para uma anormalidade diferente.

O que estamos passando agora é facilmente observável, mas qual o efeito do isolamento no comportamento futuro? O que os profissionais de Marketing podem fazer hoje pensando no pós-isolamento?

Para responder estas questões, gostaria de propor reflexão em três tempos:

  1. A apresentação de um arcabouço teórico
  2. O entendimento de tendências pré-COVID 19
  3. Uma reflexão sobre o que deve se manter após o isolamento

1) A APRESENTAÇÃO DE UM ARCABOUÇO TEÓRICO

1.1) O que é modismo, moda, tendência e megatendência?

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  • Tendência – Uma tendência “é um direcionamento ou uma sequência de eventos com certa força e estabilidade, mais previsível e duradoura que um modismo.  (Kotler &Keller, 2019, p. 78). Fazer pão caseiro, redução do uso de plástico, aumento da adoção de serviço de streaming”.
  • Megatendência – Uma mega tendência é uma “grande mudança social, econômica, política ou tecnológica que se forma lentamente e, uma vez estabelecida, passa a nos influenciar por algum tempo – de sete a dez anos , no mínimo”. (Kotler &Keller, 2019, p. 78). Cocconing, envelhecimento da  população, polarização política, preocupação com sustentabilidade.
  • Moda – Moda “é o processo de difusão social pelo qual um novo estilo é adotado por um ou mais grupos de consumidores. Uma moda se refere a uma combinação específica de atributos. Estar na moda significa que algum grupo de referência avalia positivamente” (Solomon, 2016, p. 528). Para a estatística, MODA é “o valor de dados que ocorre com maior frequência” (Anderson; Sweeney; Williams, 2000).
  • Modismo – Um modismo é algo “imprevisível, de curta duração e não tem significado social, econômico e político” (Kotler &Keller, 2019, p. 78). O baton da Boca Rosa, a pulseira da Jade (Giovana Antonelle), paleta mexicana, live Sertaneja.

1.2) O ponto da virada de Malcom Gladwell

Entendido isso, vale a pena resgatar o pensamento do jornalista canadense Malcon Gladwell. Em Tipping Point (o Ponto da Virada em Português), o autor declara: “a melhor maneira de compreender o surgimento das tendências da moda, o fluxo e refluxo das ondas de crime, assim como a transformação de livros desconhecidos em best sellers, o aumento do consumo de cigarros por adolescentes, os fenômenos das propagandas boca-a-boca ou qualquer outra mudança misteriosa que marque o dia-a-dia, é pensar em todas elas como epidemias. Idéias, produtos, mensagens e comportamentos se espalham como vírus” (Malcom Gladwell, 2000, p. 12).

O Malcom Gladwell fala 3 princípios das epidemias: (1) o poder do contexto; (2) a regra dos eleitos; (3) o fator de fixação. Em resumo, para existir uma epidemia, é necessária a existência de pré-condições, de uma latência para que a coisa possa acontecer; é necessário que a mudança seja apoiada e ganhe visibilidade e; é necessário apoio e reforço para o novo comportamento.

Fazendo uma metáfora, é preciso que a palha esteja seca, que apareça uma fagulha e ninguém tente apagar o fogo antes dele crescer.

Cruzando o pensamento de Tipping Point com as definições apresentadas antes:

  • As tendências e megatendências Políticas, Econômicas, Sociais, Culturais, Tecnológicas, Ambientais e Legais podem criar a latência, a pré-condição, a secura da palha.
  • O aparecimento de um novo comportamento inicialmente não faz muito barulho, até que ganhe visibilidade e aceitação, como a fagulha que encontra a palha seca e pode virar um modismo, uma moda ou uma nova tendência, dependendo do quanto está alicerçado pelas pré-condições e o quanto reverbera no grupo de referência.
  • Após a fagulha encontrar a palha seca e virar fogo, ela pode encontrar mais oxigênio e eventualmente um galão de querosene.  Aí explode e vira uma epidemia.

As megatendências já estão aí: a população vem envelhecendo, a tecnologia de informação e comunicação evoluindo, as pessoas estão com suas vidas superexpostas pelo big brother de 1984, os recursos naturais sendo esgotados, a intolerância e a falta de empatia crescendo de forma intolerável. A mudança de comportamento durante o isolamento social está aí: as pessoas estão vendo lives sertanejas, as pessoas estão cozinhando mais, usando mais ferramentas de conference call, estão fazendo mais home office, estão comprando mais online. Agora, o que vai ficar e o que vai morrer? Depende. Depende de o quanto está ligado a uma tendência ou megatendência e de o quanto vai encontrar apoio para fixação, expansão ou evolução do novo comportamento no futuro pós pandemia.

2) O ENTENDIMENTO DE TENDÊNCIAS PRÉ-COVID19

2.1) Tendências e comportamentos observáveis recentes:

  • Cocooning – Num mundo de excessos, ficar em casa é o novo sair. Grupos buscam mais tempo em casa com família e amigos. Voltam a valorizar o bairro e o a pé. Valorizam o home office e as possibilidade tecnológicas para manter o contato a distância. A casa passa a ter mais área de lazer e trabalho não improvisada. Separados, mas juntos, vemos séries via streaming de forma síncrona e comentamos por redes sociais.
  • Desconectar para se reconectar – mas o uso intensivo de TI para se comunicar com o mundo a todo o tempo também gera um desgaste que faz com que pessoas passem a valorizar o tempo sem conexão. Silêncio, espaço e tempo viram itens de luxo e passam a ser mais valorizados. Estar rodeado por poucos e bons ou somente consigo. Artesanato, leitura, culinária, esportes e caridade, os hobbies e causas são resgatados num reconhecimento da valorização do eu, das origens e do que realmente.
  • Pelo fim das frustrações, contatos indesejáveis e minimização das inseguranças – o medo vem num crescente e encontramos conforto entre nossos iguais com os filtros de bolhas de Eli Parisier e as câmeras de eco. Esse é o terremos fértil para análises preditivas, sistemas de avaliação e recomendação. Assistimos aos filmes que sabemos que iremos gostar, vamos aos restaurantes que já nos foram recomendados e sabemos o que pedir mesmo antes de sentar a mesa. Evitamos a rejeição escolhendo parceiro por aplicativo e usamos sistemas analíticos para contratar o próximo gestor da empresa. Contamos com o encantamento como o novo padrão o que per se aumenta a expectativa torna a satisfação menor.  Não nos surpreendemos e não nos frustramos. Mais previsíveis, ficamos menos criativos. Não nos surpreendemos e não nos encantamos realmente.
  • Tecnologia democratizando dados e informação – se possuir informação era o valor nas décadas de 80 e 90, agora toda a informação está disponível, não sendo mais sua posse a criação de valor. O desafio agora é saber o que precisa ser feito, qual a informação necessária para a tomada de decisão e qual a melhor fonte para aquela informação. Como já dizia Paulo Freire, devemos ler o texto à partir de seu contexto e, nesse sentido, a escolha da fonte ganha extrema relevância em meio à onda de deep fake.
  • Tecnologia de informação reduzindo distâncias físicas – para algumas coisas, o caminho mais perto é o feito pela câmera e pela tela do smartphone. A discussão entre carro ou carro autônomo vira irrelevante quando colocamos a lente que muitas vezes podemos não ir.  E o não ir não muda só o meu trajeto, mas toda a logística envolvida. Formas mais eficientes de entrega, aumento da preocupação com a jornada de compra online e brand experience, formas de avaliação para aprendizagem EAD. Se antes o virtual era o alternativo complementar ao físico, para muitos setores o modelo híbrido pode virar a nova regra, abrindo espaço na agenda com a redução do tempo de deslocamento. Para algo ser presencial, tem que ser experiencial e tem que valer a pena.
  • A força para causas – com o crescimento da valorização das causas ambientais e sociais, negócios fundados ou direcionados para causas estão atraindo mais atenção e ganhando preferência. Por mais que as pessoas declarem há muito tempo sua preferência, mais não era observável uma tradução em propensão a pagar mais.

2.2) Tendências e comportamentos observáveis recentes (pré-COVID 19):

  • Desde o momento do início do isolamento começamos a passar por uma série de mudanças:
  • Negócios não essenciais estão fechados,
  • Executivos trabalhando em home-office,
  • Professores e alunos em EAD,
  • Academia com portas fechadas locando suas bicicletas,
  • Aumento do consumo de álcool em casa com happy hours na frente do smartphone,
  • Aumento do consumo em casa, aumento da venda nos supermercados, derrocada do foodservice, com restaurantes atendendo apenas como delivery e take-away.
  • Os veículos de comunicação tradicionais ressurgem como fonte crível em meio as fake news.
  • Aumento do consumo de energia, aumento do consumo de água.

Mas isso não é novidade para ninguém e é fruto do isolamento social. A questão que fica é sobre o que pode perdurar após o período de isolamento social.

3) UMA REFLEXÃO SOBRE O QUE DEVE SE MANTER APÓS ISOLAMENTO

Para projetarmos o que deve se manter após o isolamento, vale resgatar os 3 princípios das epidemias de Malcom Gladwell: (1) o poder do contexto;  (2) a regra dos eleitos; coronavírus(3) o fator de fixação.

(1) Para quais das mudanças atuais já existiam pré-condições, de uma latência para a mudança do comportamento? Existiam tendências para ancorar a mudança de comportamento?

(2) A crise de saúde deflagrada pelo COVID-19 levou as pessoas para novos comportamentos, mas tomou-se um sentido de grupo e consciência da mudança?

(3) E por fim, será que existirá um apoio, um reforço para a manutenção do novo comportamento.

Aplicando esta lógica, exemplificamos abaixo o que pode acontecer em diferentes categorias.

 3.1) Vivemos uma PÃODEMIA. O número de pessoas que começou a fazer pão e postar nas redes sociais está aumentando exponencialmente. Isso não aconteceu do nada.

Já havia uma tendência que as pessoas ficassem mais em casa e buscassem um resgate de hábitos tradicionais para se reconectarem consigo e com suas famílias. O COVID-19 acelerou o crescimento do fazer pão em casa ao colocar as pessoas mais tempo em casa. Elas fizeram pão e, ao postarem, viram suas fotos elogiadas pelos colegas, o que os incentivou para novos pães. Mais do que isso, as fotos despertaram o interesse nos colegas.  As celebridades fizeram pães e posts. Os jornais e sites fizeram manchetes. O consumo de fermento e farinha estourou.  Os supermercados entraram em ruptura de estoque. PÃODEMIA.

O que esperar do momento pós COVID-19? O hábito de fazer pão já estava crescendo antes mesmo da pandemia, mas uma das principais barreiras era o mito que fazer pão era difícil. Durante o isolamento as pessoas estão passando pela experiência de fazer pão e destruindo o mito da dificuldade. Se o mundo se separa entre quem já fez pão e quem não fez pão, o pós isolamento será marcado pelo crescimento do grupo que venceu o mito das dificuldades e a categoria deve continuar com a tendência de crescimento mais acelerada.

O que a indústria e o varejo podem fazer? Acelerar a curva incentivando o crescimento do comportamento emergente.

3.2) A Educação mais híbrida

O modelo de EAD para ensino superior já é realidade há muito tempo, contudo muitos estudantes e professores resistiam à modalidade. O isolamento colocou todos em questão de semanas no modelo EAD, fazendo que os preconceitos virassem conceitos. O que escolas, alunos, professores, empresas de treinamento e departamentos de desenvolvimento de pessoas já perceberam é que a educação será híbrida nos próximos tempos:  o presencial ainda é melhor para algum tipo de integração, mas para as atividades puramente expositivas, não existe razão para trabalhar com presencial ou com modelos síncronos.

O avanço do modelo híbrido também trará a especialização da função do docente, podendo dividir sua atividade entre designer instrucionais, palestrante (lecturer), mentores e facilitadores, monitores, aplicadores de tarefas e avaliadores. Para o presencial, o espaço físico de ensino e aprendizagem também passará por adequações, tendo finalmente a centralidade no estudante com o objetivo de aumentar sua aprendizagem significativa.

3.3) A nova realidade do home office

O trabalho em home office que era tendência virará realidade depois do isolamento uma vez que é comum ver relatos sobre os ganhos de produtividade com a prática. Com o isolamento, as áreas de TI viram diversas petições antigas aprovadas para qualificarem as empresas para a modalidade a distância.  Gestores mais resistentes estão tendo de aprender com a nova realidade.

Para colaboradores, a prática remota significa também o aumento da autonomia e responsabilização, podendo cada vez mais aliar o pessoal ao profissional, se apresentado como indivíduo íntegro.

Passado o isolamento, será o momento das empresas refazerem seus budgets pensando na melhoria de satisfação, aumento de produtividade e possibilidade de despesas menores com a prática remota.

3.4) O desenho do novo escritório

Com o crescimento da atividade home office, o escritório poderá ser resignificado para estimular a interação, a convivência e a criatividade. O novo escritório deve levar em conta a mudança das relações, cada vez mais horizontais, e os desafios contemporâneos, sejam eles estratégicos, funcionais ou comportamentais.

Os espaços de comando e controle deverão virar cada vez mais espaços de inspiração, criatividade, colaboração e de condução de projetos multifuncionais.

3.5) A evolução dos meios de pagamentos e da relação com os bancos

O discurso de baking sem agência e de meios de pagamento digitais se materializou durante o isolamento. Para tocarmos menos nos entregadores de alimentos, cadastramos nossas senhas de cartão nos iFoods e não tivemos nossas senhas hackeadas. O isolamento acelerou as compras por e.commerce e o pagamento digital. Meu pai mexeu em seus investimentos sem tomar café e sem olhar nos olhos de sua gerente de investimentos – e gostou.

Pós-isolamento vamos nos perguntar se precisamos mesmo ir na agência. Vamos ser mais críticos se nossos bancos nos cobrarem isso.  Vamos digitar nossa senha com menos receio nos apps de pagamento e vamos usa-los como alternativa quando nos oferecerem alguma vantagem.

Vale aqui uma consideração sobre a imagem dos bancos. Os bancos, de forma genérica e abrangente, têm uma imagem negativa frente a sociedade. Por exemplo: na disputa eleitoral, candidatos declaram que os opositores são aliados dos bancos como se isso fosse algo negativo e existisse um conhecimento popular aceito que temos uma disputa entre bancas X sociedade. Para o setor bancário tradicional, trabalhar a marca e reverter essa imagem negativa será algo fundamental para participarem desta disputa por meio de pagamentos com marcas que se apresentam como uma opção aos bancos.

3.6) O varejo como arena de entretenimento e prestação de serviço (não só aquisição de bens)

Se nos acostumarmos a comprar pelo meio digital, o varejo passará a ter outra função que não só a aquisição de bens. O esforço de ir em algum lugar precisará ser compensado por algum serviço que pode ser entretenimento, informação ou aumento da segurança. Esse discurso não é novo, mas poucas lojas realmente repensaram suas funções e se adequaram a nova realidade.

Nesse sentido, veremos o crescimento do modelo de dark kitchen (cozinhas que trabalham com entregas sem salão aberto) para quem busca apenas comida. Quem busca comida com algo mais, restaurantes com salões.

Assim como 11 de setembro, o COVID-19 também afetará nossa noção de segurança, o que refletirá no varejo em:

– Maior preocupação com higiene

– Distanciamento e adequação ao atendimento com menor contato físico

– Melhoria dos fluxos e maior adoção de automação, envolvendo soluções de auto atendimento e pagamento

3.7) Uma nova forma de entretenimento

Com a evolução da tecnologia, a indústria do entretenimento passou para uma reviravolta. A venda de mídia parou de ser um grande negócio e o shows viraram uma grande fonte de renda. Vimos aumentar o número de shows e o preço dos ingressos (pois o que era comunicação para a venda de mídia virou a fonte de receita). Bandas que tinham abandonado a estrada voltaram aos palcos.

Com a evolução da tecnologia e aparecimento dos acessórios de realidade virtual, já se falava em uma nova mudança na indústria do entretenimento. Durante o isolamento social os grandes eventos estão cancelados, mas mesmo com fim do isolamento, as pessoas irão se preocupar mais com grandes aglomerações.

Nesse sentido, é de se pensar que as lives evoluam para uma nova forma de entretenimento em casa: uma forma de entretenimento com uso intensivo de TI que possibilite a emoção da proximidade com o ídolo, a interação com amigos, a espetaculização das redes sociais e a segurança do entretenimento domiciliar.

Assim como grandes shows, os cinemas e teatros devem experimentar períodos difíceis.  Ao entender a necessidade suprida pelos cinemas e teatros hoje, a indústria do entretenimento poderá formular opções considerando o impacto da grande tela e som digital com a interação síncrona com amigos. Para Teatro, o tempo real, o improviso, a imperfeição e a possibilidade de quebra da quarta parede parecem ser elementos importantes da experiência.

3.8) Uma nova casa

E se tudo isso acontecer, os espaços de morar e dormir passam a ter novas funções, como estudar, trabalhar, receber e se divertir. A discussão entre um apartamento pequeno bem localizado ou um grande afastado ganha novas cores ao repensarmos a importância de localização e espaço.

Reflexão final: O que os Executivos podem fazer?

Como Executivos e Profissionais de Marketing, não cabe a nós nesse momento tentarmos criar tendências, mas sim revisarmos nossas estratégias e programas de ação a luz das mudanças no macro ambiente.

Para quem teve seu setor impulsionado pelo isolamento, cabe ajustar a proposta de valor e aumentar a comunicação para reforçar os novos comportamentos e buscar sua consolidação, transformando a tendência em moda e a moda em clássico.


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