<p>Por Mauro Negr&atilde;o*<br /> <br /> O conceito de segmenta&ccedil;&atilde;o de mercado consumidor come&ccedil;ou h&aacute; quase um s&eacute;culo atr&aacute;s quando Henry Ford imp&ocirc;s a ditadura da cor preta como &uacute;nica alternativa para o Modelo T. A justificativa era a busca pela m&aacute;xima produtividade na sua linha de produ&ccedil;&atilde;o e para garantir custo baixo com pre&ccedil;o popular para ocupar o maior espa&ccedil;o poss&iacute;vel no emergente mercado automobil&iacute;stico. <br /> <br /> Era uma total falta de preocupa&ccedil;&atilde;o com a diversidade dos consumidores e logo em seguida a General Motors aproveitou para ocupar os v&aacute;rios nichos de consumidores com marcas que transmitiam quase uma personalidade: Oldsmobile, Chevrolet, a recem extinta Pontiac e tantas outras unidades de neg&oacute;cios que sustentaram o conglomerado at&eacute; a atual crise amea&ccedil;ar com uma concordata.<br /> <br /> Depois disso, o marketing nunca mais foi o mesmo e o que veio em seguida foi uma segmenta&ccedil;&atilde;o progressiva de mercados com marcas e embalagens espec&iacute;ficas para atender cada necessidade do consumidor. A pesquisa de mercado indicava uma car&ecirc;ncia, uma expectativa, uma brecha na competitividade do concorrente e pronto, meses depois um novo produto era lan&ccedil;ado no mercado ou o mesmo produto passava a ser usado de modo diferente. <br /> <br /> A id&eacute;ia era entregar um benef&iacute;cio atrav&eacute;s de um slogan na comunica&ccedil;&atilde;o de massa que fosse memor&aacute;vel e relevante para atender a uma determinada necessidade ou expectativa de uma pequena parcela da popula&ccedil;&atilde;o, assumindo a premissa que os ve&iacute;culos utilizados e a frequencia de mensagens fossem eficazes para estabelecer um posicionamento na mente do consumidor. Um share of mind compativel com o share of market. Ou mesmo com o share of heart. <br /> <br /> Tudo para fazer o consumidor-alvo se lembrar do produto na sua pr&oacute;xima compra no supermercado ou no ponto-de-venda. Omo lava mais branco. S&oacute; Shell tem ICA. Elas avan&ccedil;am com Avan&ccedil;o. Cl&aacute;ssico, bem cl&aacute;ssico como sempre gostou Phillip Kotler.<br /> <br /> Tudo passou a ser segmentado e a m&iacute;dia de massa foi organicamente se desdobrando em v&aacute;rios t&iacute;tulos de revistas, r&aacute;dios com perfil de p&uacute;blico distinto, programas de televis&atilde;o em diversos hor&aacute;rios para atingir cada p&uacute;blico-alvo, inclundo paineis gigantescos localizados no caminho do trabalho e at&eacute; latas de lixo no aeroporto; valia tudo para captar anunciantes cada vez mais conscientes da rela&ccedil;&atilde;o entre relev&acirc;ncia de conte&uacute;do, canal de comunica&ccedil;&atilde;o adequado e timing correto para impactar o p&uacute;blico certo no dia a dia.<br /> <br /> Dispers&atilde;o da mensagem para pessoas fora do p&uacute;blico-alvo era considerado um mal necess&aacute;rio, ou como se diz no popular &ndash; n&atilde;o se faz omelete sem quebrar os ovos. Bilh&otilde;es de ovos para falar a verdade, mas at&eacute; isso n&atilde;o tinha import&acirc;ncia, pois o aparente desperd&iacute;cio ajudava a divulgar a marca para milh&otilde;es que nunca usariam um t&ecirc;nis Nike ou um computador Apple. Pelos menos os poucos privilegiados seriam reconhecidos na multid&atilde;o, pois o prestigio e a sensa&ccedil;&atilde;o de poder da exclusividade eram o refor&ccedil;o emocional que precisavam para testar sua lealdade &agrave; marca.<br /> &nbsp;<br /> No jarg&atilde;o da m&iacute;dia falava-se em &lsquo;Tarp&rsquo;, ou GRP no Target, traduzindo: qual era a audi&ecirc;ncia de um determinado p&uacute;blico numa novela da Globo. Na minha &eacute;poca como gerente de Lucky Strike na Souza Cruz ningu&eacute;m conseguiu provar que um jovem de 20 anos preferia assistir a uma novela da Gloria Magadan ou Janete Clair, em vez de se divertir s&aacute;bado a noite em algum barzinho cheio de jovens de sua gera&ccedil;&atilde;o. Claro, sempre haveria alguem gripado, ou naqueles dias, para ver um comercial logo ap&oacute;s o Jornal da Globo e antes de come&ccedil;ar a novela-drama. Um nicho sem duvida.<br /> <br /> Foi uma ousadia em plena era de marketing de massa com gastos milion&aacute;rios em Hollywood, Free e Carlton, mas resolvemos investir s&oacute; uma parte do budget dispon&iacute;vel para marca em a&ccedil;&otilde;es de no-media, ou below-the-line, como patroc&iacute;nios de corridas de motovelocidade, clips de corridas em VHS nos monitores instalados nos pubs da moda, posters hiper realistas de motos cromadas e cinzeiros diferenciados em &lsquo;points&rsquo; estrategicos noturnos de S&atilde;o Paulo. Deu certo. O objetivo era ser relevante para fumantes de Marlboro que n&atilde;o se conseguia atingir com m&iacute;dia de massa e se posicionar como uma marca &lsquo;cult&rsquo; e exclusiva para poucos. A estrat&eacute;gia foi criar um micro segmento (cluster) dentro da tribo &lsquo;onde todos fumavam a mesma marca: Marlboro&rsquo;. Mais exclusivo. Outra ra&ccedil;a dentro do rebanho: inovadores e formadores de opini&atilde;o.<br /> <br /> Em Julho de 2004 a revista Business Week publicou uma reportagem de capa anunciando a decad&ecirc;ncia do marketing de massa frente a novas tecnologias, prolifera&ccedil;&atilde;o de produtos e m&iacute;dia fragmentada &ndash; &lsquo;The Vanishing Mass Market – <a href="http://www.businessweek.com/magazine/content/04_28/b3891001_mz001.htm">http://www.businessweek.com/magazine/content/04_28/b3891001_mz001.htm</a> <br /> <br /> No artigo, que come&ccedil;a com uma declara&ccedil;&atilde;o surpreendente do principal executivo de marketing da cl&aacute;ssica Procter&amp;Gamble, James R. Stengel, que falou sobre relev&acirc;ncia individual sentado no topo da catedral do marketing de massa afirmando que a P&amp;G n&atilde;o fabrica uma marca de massa sequer, pois todas s&atilde;o segmentadas e dirigidas a um p&uacute;blico espec&iacute;fico&nbsp; &ndash; &ldquo;Voc&ecirc; encontra as pessoas.Voc&ecirc; p&otilde;em foco total nelas. Voc&ecirc; se torna relevantes para elas&rdquo;. No artigo seguem v&aacute;rios exemplos sobre como o marketing vem se tornando cada vez mais individualizado para gerar interesse em grupos de pessoas cada vez mais dif&iacute;ceis de atingir com a m&iacute;dia de massa.<br /> <br /> Por exemplo, na decada de 60 um anunciante podia atingir 80% das mulheres com um comercial veiculado simultaneamente na CBS, NBC e ABC. Em 2004, o mesmo comercial deveria estar em mais de 100 canais de TV a cabo para atingir a mesma fa&ccedil;anha. Hoje em dia, al&eacute;m disso tudo, seria necess&aacute;rio um reforco com banners em web sites de grande visita&ccedil;&atilde;o e mais outros recursos digitais para atingir mulheres que vivem on line o tempo todo. No mesmo artigo foi publicado um quadro comparativo que resume bem essa fragmenta&ccedil;&atilde;o do mercado consumidor. <br /> <br /> <img height="333" width="700" src="/images/materias/mauro_negrao_g1.jpg" alt="" /><br /> <br /> No mundo digital de hoje, no qual o mercado consumidor se torna cada vez mais fragmentado e tudo est&aacute; a um click de dist&acirc;ncia, o modo mais eficiente de convencer consumidores a comprar produtos e servi&ccedil;os de qualquer empresa &eacute; oferecer-lhes a melhor resposta &agrave;s suas necessidades individuais e expectativas. Em outras palavras, seja relevante.<br /> &nbsp; <br /> Clientes respondem melhor a ofertas personalizadas, e mais ainda quando o conte&uacute;do apresenta algo que eles querem antes mesmo de saber que o querem. Empresas como Amazon (o fen&ocirc;meno do com&eacute;rcio digital), Netflix (maior loja on line de aluguel de filmes em DVD superando Blockbuster) e Pandora Radio (radio customizada pela Internet) podem at&eacute; predizer o pr&oacute;ximo passo e a pr&oacute;xima escolha dos seus clientes aprendendo com os rastros digitais que deixam no database. Conseguem supreender e cativar seus clientes que v&atilde;o contribuindo a cada click para que as ofertas fiquem cada vez mais relevantes para seu perfil. Os famosos cookies.<br /> <br /> Essa nova tend&ecirc;ncia &eacute; bem representada no livro &lsquo;The Long Tail: Why the Future of Business Is Selling Less of More&rsquo;. Exatamente a estrat&eacute;gia de nicho usada por Amazon.com ou Netflix.com que vendem um grande numero de itens diferenciados, cada tipo em quantidades relativamente pequenas para muita gente .<br /> <br /> <img height="412" width="564" src="/images/materias/mauro_negrao_g2.jpg" alt="" /><br /> <br /> No caso, a &lsquo;Longa Cauda&rsquo; &eacute; formada na realidade por v&aacute;rios nichos de clientes com necessidades ainda mais especificas do que na Cabe&ccedil;a onde poucos produtos s&atilde;o eleitos como os Top 10 ou Top 20, sendo que os tr&ecirc;s primeiros podem atingir at&eacute; a unanimidade. V&aacute;rios peda&ccedil;os de tamanhos vari&aacute;veis na Cauda e alguns favoritos na Cabe&ccedil;a.<br /> <br /> Fazer recomenda&ccedil;&otilde;es relevantes a cada cliente baseado no seu hist&oacute;rico de relacionamento e depois oferecer produtos que combinem com seus padr&otilde;es de compras pode fazer uma venda cruzada se tornar bem mais inteligente do que o tradicional marketing direto massivo 'igual-pra-todos'. Vamos imaginar as filas de carrinhos de supermercado, cada um com seu dono. Quase podemos dizer &lsquo;diga-me o que compras que te direi quem &eacute;s&rsquo;: o jovem executivo comprando congelados &lsquo;light&rsquo;, a m&atilde;e cheia de pacotes, as vezes caixas de fraldas, agua mineral, vejam s&oacute;, na Cabe&ccedil;a, pois &aacute;gua mineral encontra-se quase em todos os carrinhos.<br /> <br /> Quem nunca deu uma espiada nos carrinhos? Depois vem com a desculpa para o vizinho na fila: &lsquo;s&oacute; um minuto, me esqueci de algo&rsquo; &lsquo;obrigado&rsquo;. Se tiver algu&eacute;m do seu perfil nas outras filas ent&atilde;o far&aacute; de tudo para espiar mais fundo. Normal. Este foi o comportamento observado no ponto-de-venda que inspirou uma abordagem de segmenta&ccedil;&atilde;o estat&iacute;stica conhecida como market basket analysis no caso do projeto Data Mining realizado no Botic&aacute;rio. Para saber como a maior rede de varejo de cosm&eacute;ticos do Brasil atingiu um ROI de R$ 80 em vendas para cada R$ 1 investido = ROI=8000% !!* <br /> <br /> No Projeto Data Mining do Botic&aacute;rio foram enviados 120 mil emails de conte&uacute;do vari&aacute;vel com base em regras que apresentavam os &lsquo;top 5&rsquo; em cada cluster, ou melhor, os cinco mais vendidos por tipo de carrinho de compra. Cerca de 25 mil abriram o email, destes 98% compraram pelo menos 1 dos 5 produtos apresentados no seu respectivo cluster, em media 1,2&nbsp; produtos a um ticket medio entre 50 e 100 reais. Nada mal para um click.<br /> <br /> Com a tecnologia disponivel hoje de Cross Media de Conte&uacute;do Vari&aacute;vel seria poss&iacute;vel fazer um re-make deste projeto para explorar as in&uacute;meras possibilidades de combina&ccedil;&otilde;es de ofertas relevantes como &lsquo;pessoas como voc&ecirc; tamb&eacute;m compram estes produtos&rsquo;. Algo como Amazon vem fazendo fortuna com venda sugestiva de outros produtos que aparecem na tela do cliente apos login ou quando este escolhe um produto no carrinho de compras. Long Tail. Customiza&ccedil;&atilde;o da compra.<br /> <br /> Comunica&ccedil;&atilde;o customizada Cross Media usando conte&uacute;do vari&aacute;vel disparado por regras de neg&oacute;cios, desenvolvidas a partir de uma an&aacute;lise da base de dados, pode at&eacute; aumentar vendas de servi&ccedil;os de luxo sup&eacute;rfluos como pacotes de viagem no meio da crise atual.<br /> &nbsp;<br /> Um antigo Clube de Viagens com 40 anos de exist&ecirc;ncia, baseado na costa leste dos EUA, estava acostumado a enviar cat&aacute;logos de 80 a 120 p&aacute;ginas com in&uacute;meros pacotes tur&iacute;sticos para toda sua base de associados (mais de 60 mil). Devido a din&acirc;mica do mercado era necess&aacute;rio fazer pelo menos quarto edi&ccedil;&otilde;es por ano e algumas ofertas usando mala direta. Tudo no correios e infelizmente quase tudo no lixo.<br /> <br /> Ap&oacute;s uma segmenta&ccedil;&atilde;o na base de dados foram desenvolvidos tr&ecirc;s vers&otilde;es de folder impresso, um por tipo de associado e foram apresentados os pacotes mais adequados em cada caso, al&eacute;m de campos e textos vari&aacute;veis com descontos diferenciados.<br /> <br /> Os resultados foram not&aacute;veis. Em menos de um m&ecirc;s a campanha foi respons&aacute;vel pela aquisi&ccedil;&atilde;o direta de 150 novos membros (alto ticket m&eacute;dio e lifetime value acima de 5 anos) e tamb&eacute;m a conseguir US$ 500.000 em vendas somente um m&ecirc;s ap&oacute;s ser colocada no correio – maio 2009.<br /> <br /> <img height="413" width="700" src="/images/materias/mauro_negrao_g3.jpg" alt="" /><br /> <br /> <strong>Conclus&atilde;o</strong><br /> Segmenta&ccedil;&atilde;o e relev&acirc;ncia s&atilde;o dois aspectos fundamentais no marketing que sempre co-existiram na teoria e, na pr&aacute;tica, esta simbiose foi desenvolvida de maneiras diferentes ao longo das diversas gera&ccedil;&otilde;es do Markeitng &ndash; a primeira gera&ccedil;&atilde;o do marketing de massa, a segunda com o surgimento da Internet e agora podemos dizer que estamos iniciando uma terceira gera&ccedil;&atilde;o atrav&eacute;s da comunica&ccedil;&atilde;o individualizada, e consequentemente bem mais relevante. Uma Cauda bem longa a ser explorada depois de tanto tempo s&oacute; mirando na Cabe&ccedil;a.<br /> <br /> Em outras palavras, se na comunica&ccedil;&atilde;o de massa o objetivo &eacute; &lsquo;gritar&rsquo; mais alto de maneira criativa algo relevante e tamb&eacute;m repetir com mais frequencia que os outros concorrentes para ser lembrado, a terceira gera&ccedil;&atilde;o do marketing parece mais como uma &lsquo;conversa&rsquo; que se torna cada vez mais inteligente na medida em que o consumidor revela sua intimidade de consumo.<br /> <br /> Sem d&uacute;vida a m&iacute;dia de massa sempre ser&aacute; o modo mais barato de dizer a mesma coisa para milh&otilde;es de pessoas e manter uma marca viva, por&eacute;m, a comunica&ccedil;&atilde;o individualizada com conte&uacute;do relevante sempre trar&aacute; mais retorno de investimento do que jogar panfletos pela janela. Co-existir com tanta diversidade &eacute; a nova ordem mundial. Como disse Eric Schmitt of Forrester Research Inc. no mesmo artigo: n&atilde;o existem mais blocos monoliticos de olhos esbugalhados para assitir comerciais. &quot;Monolithic blocks of eyeballs are gone&quot;. A Cauda co&ccedil;ou a Cabe&ccedil;a.<br /> <br /> * Mauro Negr&atilde;o &eacute; Presidente da DataWise.Marketing, Data Analytics &amp; Marketing Intelligence. <a href="http://www.datawisemarketing.com">www.datawisemarketing.com</a></p>
Marketing de Relevância? ahn?
29 de outubro de 2009