A alimentação atravessa um ponto de virada. Impactados pelo fenômeno da “policrise”, que descreve uma sucessão de eventos negativos desde 2020 – como o impacto da pandemia, a inflação prolongada, as complicações da crise climática e os efeitos de guerras travadas em diferentes pontos do globo — consumidores passam a repensar o papel da alimentação em suas vidas.
Neste contexto, as próximas tendências globais serão lideradas por forças específicas, como a transição para dietas mais diversas, o protagonismo da fibra como o nutriente de desejo, o resgate de tradições alimentares e da nostalgia e a ascensão das experiências sensoriais como forma de bem-estar. Contudo, nuances na forma como esses vetores se manifestam em países como os Estados Unidos e no Brasil escancaram importantes diferenças entre mercados desenvolvidos e emergentes.
É o que aponta o novo relatório Global Food & Drink Predictions 2026, da Mintel. Avaliando os efeitos da policrise em diferentes países, inclusive o Brasil, a pesquisa demonstra que a prioridade, em diversos cenários, não é comer mais, mas comer melhor — com diversidade, funcionalidade e sentido.

O avanço da diversidade alimentar
Consumidores estadunidenses estão superando a lógica da “maximização nutricional”, popularizada por modas como o high protein e o high fiber, e adotando uma abordagem mais ampla, guiada pela variedade.
Em 2024, 71% dos americanos que almoçam diariamente afirmaram que “variedade de sabores” é fator importante na escolha da refeição. Essa mudança aponta para um comportamento mais flexível, em que o prazer e a experimentação começam a ocupar o lugar antes reservado à performance alimentar.
A Mintel projeta que, até 2030, a diversidade de ingredientes substituirá a obsessão por metas diárias de proteína ou fibra. A alimentação passará a refletir o mesmo princípio que norteia debates sociais: diversidade, equidade e inclusão. Surgem, assim, as chamadas “DEIts” — dietas diversas que combinam culturas, tradições e texturas para reduzir a dependência de alimentos únicos.
A tendência já movimenta a inovação em ingredientes alternativos. Dados da Black Swan Data mostram crescimento expressivo nas conversas online sobre proteínas de origem não convencional. Entre 2023 e 2025, as menções a mung bean (feijão-mungo) cresceram 44%, enquanto hemp seeds (sementes de cânhamo) avançaram 16%.

O interesse por chlorella, microalga rica em nutrientes, também aumentou. O movimento indica que os consumidores norte-americanos valorizam cada vez mais fontes de proteína com benefícios funcionais e impacto ambiental reduzido.
Já o Brasil aparece entre os mercados monitorados pela Mintel como parte da transição ocidental em direção às dietas de alto teor proteico. As prioridades de proteína — antes concentradas em Europa e América do Norte — estão se deslocando também para a América do Sul.
A pesquisa mostra que o interesse por alimentos com alegações de alto teor de proteína segue em alta até 2025, acompanhando o crescimento global da categoria.
Fibras e microbioma: um novo código de saúde
Se a proteína já é mainstream, a fibra será o próximo grande pilar da alimentação saudável. A Mintel projeta que, até o fim da década, a fibra ganhará status de “armadura nutricional”, não apenas por seus benefícios digestivos, mas também por seu potencial de reduzir os impactos dos microplásticos no organismo.
Nos Estados Unidos, o mercado de snacks está à frente desse movimento. As conversas sobre produtos ricos em fibra cresceram 9%, enquanto as menções a snacks que reduzem o inchaço aumentaram 4%, e temas como “gut-brain axis” (relação entre intestino e humor) subiram 71%. A nova geração de produtos busca unir prazer e função, criando snacks que parecem indulgentes, mas trazem benefícios digestivos e emocionais.

A Mintel cita marcas como Floura, criadora de barras com 13g de fibras de 12 plantas diferentes, e Danone Oikos, que aposta em bebidas proteicas com foco na absorção. A ideia é reposicionar proteínas e fibras como parte do cotidiano e não mais como suplementos técnicos.
No Brasil, a tendência caminha na mesma direção, impulsionada pela influência de dietas ricas em fibras típicas da culinária latino-americana, como feijões, raízes e grãos nativos. Os hábitos tradicionais de consumo de fibras no Oriente servem de inspiração para mercados ocidentais, e o Brasil é apontado como um dos países com potencial de adaptar esse aprendizado a produtos acessíveis e locais.
Retro Rejuvenation: o retorno das tradições como estratégia moderna
Outra tendência forte tanto nos EUA quanto no Brasil é o resgate das tradições culinárias. A Mintel chama esse movimento de “Retro Rejuvenation”: a volta a técnicas ancestrais e ingredientes locais como resposta à instabilidade global.
Nos Estados Unidos, esse fenômeno se traduz em marcas que reinventam produtos antigos com estética moderna. A Heyday Canning Co., por exemplo, transformou conservas em refeições gourmet em lata, enquanto a Noma Projects resgatou o garum, molho fermentado da Roma Antiga, redescoberto por IA em 2025 e hoje reinterpretado para atender à demanda por sabores umami.
O mesmo impulso de nostalgia produtiva aparece no Brasil, onde foi identificada uma valorização crescente de ingredientes nativos e preparos de longa duração, das raízes amazônicas às técnicas de fermentação artesanal. Essa combinação de memória e inovação cria um terreno fértil para marcas que queiram se posicionar como guardiãs culturais, conciliando sustentabilidade e identidade local.

Comer como experiência: a virada sensorial
Outra macro força mapeada pela Mintel, “Intentionally Sensory”, trata da transformação da comida em ferramenta emocional. Nos Estados Unidos, a alimentação sensorial já se manifesta em produtos que associam textura e humor. Entre 2023 e 2025, as menções a snacks “crunchy” (crocantes) cresceram 57%, e as que destacam texturas indulgentes e “gooey” (macias) subiram 37%.
A busca por prazer tátil e emocional não é superficial. Ela nasce da necessidade de reconectar o corpo e a mente em meio à rotina digital. A Mintel prevê que o conceito de “food therapy” — alimentos que confortam, aliviam o estresse e favorecem o equilíbrio emocional — ganhará força, especialmente entre as gerações mais jovens.

No Brasil, essa tendência começa a se refletir na popularização de alimentos híbridos entre indulgência e naturalidade, de sobremesas com ingredientes funcionais a snacks vegetais com textura de comfort food. A Mintel destaca que a América Latina tende a adotar versões mais acessíveis e culturalmente próximas dessas inovações, abrindo espaço para novas categorias no varejo e na indústria.
Perguntas que as marcas deveriam se fazer
As marcas têm a oportunidade de ressignificar a nostalgia como uma ferramenta estratégica, à medida que os consumidores buscam o conforto da tradição. O desafio é fazer com que o legado pareça relevante, não como uma fuga, mas como base para resiliência e bem-estar modernos.
A tendência Retro Rejuvenation, por exemplo, consiste em usar o passado para construir confiança e profundidade emocional no presente. Marcas que traduzirem tradição em valor contemporâneo estarão mais bem posicionadas para se conectar com consumidores em busca de estabilidade.
Isto pode ser feito a partir de quatro perguntas estratégicas:
Como posicionar ingredientes, técnicas e linhas de produtos tradicionais de forma que transmitam propósito e visão de futuro, não apenas sentimentalismo?
Quais aspectos da identidade da marca podem ser fortalecidos ao se alinhar com o desejo dos consumidores por simplicidade, autenticidade e segurança emocional?
Estamos comunicando os benefícios funcionais da nostalgia — como resiliência, senso de comunidade e bem-estar — de maneira crível e inspiradora?
Como evoluir nossa mensagem para dialogar com a geração “New Young”, que busca significado e realização mais profundos?
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