Um time autônomo de alta performance em ambiente de guerra Bruno Mello 12 de abril de 2022

Um time autônomo de alta performance em ambiente de guerra

         

Artigo discute os fatores colaboram para a performance de um grupo em ambiente de incerteza e pressão com base numa experiência na indústria aeronáutica num momento de guerra

Um time autônomo de alta performance em ambiente de guerra
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De acordo com o comandante Marcus De Grandis, a indústria da aviação é hierárquica, altamente regulamentada, com requisitos rígidos e com procedimentos bem definidos. Contudo, na hora que a porta do avião fecha, o time precisa resolver as dificuldades que eventualmente apareçam com autonomia e agilidade. A forma de trabalho da tripulação é um grande exemplo de trabalho em redes que interdependem. Mesmo sem saber, o sucesso do time depende das três leis sistêmicas: pertencimento, equilíbrio e ordem.

Uma empresa aérea pode realizar em um dia mais de mil voos, cada um deles tem um objetivo, a princípio simples, que é transportar pessoas e/ou cargas de A para B, com segurança, economia, conforto e menor custo. Cada voo, é realizado por uma tripulação composta por pessoas, que na maioria das vezes, nunca trabalharam juntas, e que as vezes nem sequer se conhecem. Mas mesmo sendo a primeira vez que trabalham juntas, devem ser capazes de atingir o objetivo proposto com a mínima interferência da organização.

Cada tripulação é, e deve ser, um time autônomo de alta performance (TAAP), que faz parte de uma rede, e este (s) time(s) são capazes de perceber, considerar e avaliar em conjunto um diversas variáveis, construir e executar um plano para atingir o objetivo proposto, dentro de um contexto no qual as variáveis mudam a todo instante, o ambiente é complexo e não controlado e em um espaço muito curto de tempo.

Abaixo um relato do Comandante Marcus De Grandis sobre o dia que a tripulação foi posta a prova num cenário de guerra:

“Voei como comandante por muitos anos em uma empresa aérea nos Emirados Árabes, voando no Oriente Médio, África, Ásia e Europa. Em um dia de Julho de 2014 fui escalado para comandar o voo de Dubai – Bagram – Kandarhar – Dubai, era um contrato da empresa com o pentágono para transportar os militares americanos para as bases da OTAN – International Security Assistance Force (ISAF) de/para o Afeganistão. A tripulação era composta por membros de diversas nacionalidades, sendo eu o único brasileiro. 

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Após a escala na base militar de Bagram, decolamos para a base militar de Kandahar, local da maior produção mundial de ópio e com a maior concentração de War Lords e dominada por Talibans. Durante a descida tivemos que evitar a colisão com um drone da força aérea americana que estava em missão e pousamos em Kandahar. Após livrar pista, seguimos o procedimento do aeroporto de seguir uma viatura follow me até o local do estacionamento. Era um dia normal, mas nesse momento e história mudou de rumo e fomos surpreendidos por uma explosão metros a frente da nossa aeronave.

O soldado da viatura follow me, deixou o veículo e deitou-se na pista de taxi, ouvimos uma sirene de emergência. Parei, respirei fundo e esperei alguns segundos para tentar entender o que estava acontecendo e perguntei a copiloto (americana) qual a sua interpretação a respeito, foi a mesma percepção que a minha: a base estáva sob ataque. Imediatamente, comandei “Attention Crew at Stations”, uma comunicação padrão que devemos realizar em caso de alguma situação de urgência/emergência, na qual os comissários interrompem tudo o que estão fazendo, retornam as suas estações e ficam prontas para a evacuação de emergência. A rede estava em alerta e pronta para agir.

Neste momento, a Torre de controle, com voz extremamente carregada de adrenalina, dirigiu se a nós confirmando que a base estava sob ataque e informando que deveríamos manter a posição. Visualizamos a viatura follow me sair em alta velocidade em direção aos bunkers, enquanto soldados, corriam para buscar abrigo. Nossa solicitação de taxi até a posição de estacionamento foi negada e estávamos parados no meio de uma pista de taxi em uma base militar sob ataque, com um avião cheio de passageiros e combustível – um quadro nada tranquilo. Tudo isso aconteceu em menos de 1 minuto.

Nos dirigimos aos passageiros, dizendo que estávamos com um problema, que permanecessem sentados, que seguissem as instruções dos comissários e que voltaríamos com mais informação em breve e com o objetivo de não gerar pânico. Da base começaram a sair soldados prontos para o confronto e decolar helicópteros black hawk para patrulha e contra-ataque.

Continuamos a tentar pensar em alternativas para tentar sair daquela posição em busca de abrigo.

Nos dividimos: coube a copiloto a função de comunicar-se com a Torre uma vez que o controlador também era americano e assim, conseguiria se comunicar melhor e mais rápido diante de toda emoção e tensão que nós e a Torre estávamos enfrentando, a Comissária chefe deveria colher informações a respeito da percepção da situação, do estado da tripulação e passageiros e da aeronave. Como um time com autonomia e mesmo à revelia da Torre de comando, decidimos ir para o pátio próximo aos bunkers. Comunicamos aos passageiros, explicamos o necessário para evitar pânico e seguimos em direção ao abrigo.

Ao chegarmos no pátio solicitei escadas para realizar o desembarque rápido, porém a resposta da torre foi estavam sob ataque e ninguém poderia nos apoiar. Observamos o pátio e vimos um local mais abrigado bem em frente aos bunkers, concordamos que seria um bom lugar para esperarmos e caso necessário evacuaríamos os passageiros e tripulação em frente ao abrigo. Ficamos seguros dentro da aeronave até o ataque acabar e após uma hora ouvimos pelo alto falante da base, “All clear, all clear”… os soldados, começaram a sair dos bunkers, nos trouxeram as escadas e o comandante da base veio até a aeronave.

Para nós não era viável pernoitar em Kandahar e conversamos com o comandante da base. Precisava de mais combustível para ir até Dubai e que precisava realizar um turn around muito rápido devido limitações de horário em Dubai. Tínhamos de sair de Kandahar antes do anoitecer e se não obtivéssemos mais combustível, decolaríamos para Karachi no Paquistão. Nossa empresa e a base concordaram com o plano apresentado por nós, recebemos o combustível e decolamos.

Quando tudo parecia mais tranquilo, nós começamos a errar tarefas rotineiras que fazíamos diariamente pois a fadiga estava mostrando as suas garras. Como um TAAP, compartilhamos nossas fraquezas abertamente (a fadiga e a preocupação de sermos abatidos pelos Talibãs após a decolagem) e combinamos fazer tudo bem devagar, checando os itens críticos várias vezes. Assim prosseguimos, tudo feito em slow motion gerenciando a fadiga própria e ficando atendo aos colegas, double checking todos os itens críticos para a decolagem.

Ao entrarmos no espaço aéreo dos Emirados Árabes, fomos informados que deveríamos esperar em órbita a abertura da pista. Estávamos exaustos e qualquer espera era muito penosa e ainda risco de algum erro básico, porém fatal, acontecer. Após 10 minutos de espera, fomos autorizados a iniciar a aproximação porém na curta final para pouso fomos instruídos pela torre a arremeter. Fizemos os procedimentos com muito cuidado, muito de vagar e checando e rechecando cada passo a ser executado, pois não são raros os incidentes ou acidentes em arremetidas mal executadas.

Após o checklist, a copiloto comunicou para o controle de aproximação de Dubai que tínhamos mais 5 minutos antes de prosseguirmos para a alternativa. Pousamos extremamente cansados, neste momento o corpo e a mente já querem relaxar, mas ainda tínhamos que taxiar a aeronave para o pátio, e cortar os motores. Portanto, ainda assim fomos um dando energia e apoiando o outro para garantir que tudo ocorresse em segurança até o último passageiro desembarcar da aeronave, afinal, vários incidentes e alguns acidentes foram causados durante a fase de taxi, a qual é considerada uma fase crítica do voo, apesar de estarmos muito familiarizados com o aeroporto”.

Segundo o comandante Marcus De Grandis, 4 coisas são fundamentais para a performance do time autônomos de alta performance (TAAP) em ambientes imprevisíveis de alto risco:

1 – Clareza nos objetivos primários (transportar com segurança – inegociável) e secundários (todos têm pleno conhecimento das responsabilidades e do que é esperado deles), de forma que cada indivíduo participante da rede seja capaz de fazer parte de um time que tem performance muito melhor em equipe do que individualmente.
2 – Contratação e desenvolvimento de competências técnicas (conhecimento sobre o tema e as tarefas e os procedimentos), e principalmente das habilidades comportamentais não técnicas (como comunicação, assertividade, resolução de conflitos, trabalho em equipe, liderança, processo decisório, entre outros).
3 – Cultura Colaborativa, sem culpabilidade e aprendizado com os erros, constante feedback, readequação dos processos e/ou procedimentos: esses fatores geram clima de reciprocidade e confiança mútuas, tendo pouca interferência no trabalho do time autônomo de altíssima performance (TAAP), além de fazer com que o tripulante se sinta parte do sistema e responsável direto pelo resultado.
4 – Autonomia a flexibilidade para decidir num momento de baixa certeza e alta pressão. Clareza nos objetivos, pessoas com competências técnicas e comportamentais e cultura colaborativa criam as precondições para o time ter autonomia e flexibilidade no momento crítico.

E o seu time, está preparado para tomar decisões em momentos de incerteza e alta pressão?

* Texto em colaboração com Adriana Queiróz e Marcus De Grandis.

Adriana Queiróz é Mestra em Administração pela FGV, sócia fundadora da Humma Marketing, Marca e Inovação e Diretora Executiva na Become Hub de Inteligência em Inovação e Sustentabilidade.

Marcus De Grandis, sócio fundador da Flieger Training & Consulting, comandante, Engenheiro, Bacharel em Ciências Aéronauticas pela PUC-RS, Pós-graduado em Transporte Aéreo e Aeroportos pelo ITA, Investigador de Acidentes Aeronáuticos pela Força Aérea Brasileira. 


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