<p><strong>Toc toc toc – Comércio porta a porta</strong></p><p>*Luciana Aguiar e Renato Meirelles</p><p>Que empresa não gostaria de ter uma relação direta com seus consumidores? Ter uma marca de confiança, independente dos investimentos em comunicação? Ou ainda, possuir uma equipe de vendedores que além de ser capaz de chamar cada cliente pelo nome ainda gaste parte dos seus rendimentos com produtos da própria empresa?<br /><br />Estes itens fazem parte do sonho de empresas de todo o mundo. Junte isso com uma necessidade cada vez maior de não depender do varejo tradicional e pronto, temos alguns ingredientes que fazem com que a opção pela venda porta a porta não pare de crescer no Brasil. Isso acontece com empresas como Yakult, uma das pioneiras, Amway, Avon, Natura e outras que estão começando a seguir o mesmo caminho, como a Danone e Sara Lee.<br /><br />Ao contrário dos outros canais de varejo, o crescimento do comércio porta a porta acontece em períodos de crise econômica. Um bom exemplo é o caso da Avon que, em 1999, com a desvalorização do real, teve um aumento nas vendas em 26%. Nesses momentos, a venda direta se torna uma possibilidade de trabalho importante e, com sua capilaridade, consegue trazer o consumidor das classes C e D para esse mercado.<br /><br />Mas o que leva o consumidor popular a responder tão bem a esse canal? A venda direta se aproveita da propaganda boca-a-boca, com base numa relação de confiança e reciprocidade, muito presente na base da pirâmide. O segmento de baixa renda tem uma postura mais desconfiada diante das lojas de varejo, preferindo comprar de conhecidos ou pessoas que são do “pedaço”.<br /><br />A força da venda direta vem dessa capacidade da empresa em estabelecer uma relação direta com a rede de sociabilidade de suas vendedoras, consultoras, associadas etc. As vendas diretas também se beneficiam do hábito brasileiro de misturar negócios com relações pessoais.<br /><br />Este modelo de venda está baseado em laços mais fortes que os existentes entre a vendedora e a compradora tradicionais. Muitas das clientes preferem gastar um pouco mais com alguém que conhecem a economizar comprando numa loja. Neste caso, prevalece a máxima nacional em que “as relações pessoais contam mais do que a lógica econômica”, como diz o antropólogo Roberto da Matta, professor da Universidade de Notre Dame. A vendedora é geralmente uma pessoa próxima, que conhece o gosto da cliente, podendo vender produtos específicos. Além disso, responde às suas necessidades e zela por isso no processo de venda, adaptando-se melhor ao universo onde atua. A formação dos consórcios de beleza é uma estratégia de quem entende muito bem a relação entre o desejo e o tamanho do bolso da cliente.</p><p>Peculiaridades culturais à parte, a venda porta a porta tem como principal vantagem a capacidade de “agir localmente” em um mundo cada vez mais globalizado. E pode ser encarada de várias formas, de acordo com o ponto de vista de cada um. “É a privatização das relações pessoais”, diria um estudante de sociologia, ou “são grandes companhias auxiliando na geração de renda”, responderia C. K. Prahalad, em entrevista recente, ou “é uma estratégia de venda que dá maior capilaridade à distribuição”, diria um gerente de marketing. O fato é que o lucro das empresas que optam por este canal é diretamente proporcional ao entendimento e ao respeito que sua força de vendas tem com o consumidor.</p><p>Em outras palavras e para ser prático, tente responder: é melhor comprar produtos de alguém que você conhece e confia ou de um estranho? E se esse alguém lhe oferecer o aval que só quem é cliente pode dar? E se, além de te dar explicações sobre como usar o produto, ainda lhe oferece crédito sem que você tenha que deixar um cheque? Para ser perfeito, só faltava tudo isso acontecer no conforto da sua sala, com aquele cafezinho que só você sabe fazer. Dificilmente uma visita como esta não resulta em pelo menos uma venda. Em função da descontração proporcionada pelo ambiente e pela relação com a vendedora, basta abrir o mostruário ou catálogo e a compra por impulso acontece. Neste caso, até a pechincha é atenuada devido ao laço de amizade; o que se negocia é a forma de pagamento. Por esta ótica é fácil entender o sucesso de um setor que movimenta 8,6 bilhões de reais e é fonte de renda para 1,5 milhão de pessoas.</p><p>*Luciana Aguiar e Renato Meirelles são sócios-diretores do Data Popular.</p><p><em>Cerca de 60% das vendas de perfume, 75% das de maquiagem para olhos e 80% das de batom são feitas pela venda direta. A Avon está no Brasil desde 1959 e tem 1 milhão de revendedoras atuando no porta a porta. A Natura conta atualmente com 525,2 mil consultoras no Brasil, crescimento de 15,7% em referência ao mesmo período do ano passado.</em></p><p><em>Dados abaixo <br /></em><em>• 1,5 milhão é o número de revendedores que atuaram em<br />vendas diretas no país durante 2004. Em relação ao ano anterior,<br />a quantidade de empreendedores do ramo cresceu 20%.<br />• 10,4 bilhões de reais é o valor movimentado pelos negócios<br />gerados a partir das vendas diretas no país. O setor registrou<br />crescimento acumulado de 27,5% no ano passado.<br />fonte: O Estado de S. Paulo, junho de 2005</em></p>