Os jovens são os únicos protagonistas das tendências comportamentais globais, correto? Embora muitas empresas de pesquisa defendam essa tese pueril – algumas concorrentes diretas da Voltage, inclusive – os meus mais de 20 anos de expertise no estudo e na detecção de tendências me permitem discordar. Evidências demográficas mostram que, diante da crise econômica, a população idosa mundial, que deve chegar a dois bilhões em 2050 (dados da Organização Mundial da Saúde), tem protagonizado mudanças significativas na estrutura social dos Estados Unidos e da Europa. Duas pesquisas concluídas recentemente pelo The Future Laboratory com o apoio da Voltage mostram o real impacto dessa “revolução dos avós” em indústrias como a alimentícia, que vive uma expansão vertiginosa – até 2014 o setor deve faturar US$ 5,9 trilhões.

O fato é que a crise econômica mundial tem demandado uma nova organização social, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Em tempos economicamente turbulentos, o conceito de família nuclear tem sido substituído pela multigeracional; a família é vista como fonte de confiança e resistência em tempos de recessão. A pesquisa The Future Family atesta que nos Estados Unidos os membros da geração baby boomers (nascidos entre 1946 e 1954) perderam 49% da renda pessoal com a crise e passaram a reformular gastos como consumo de energia e moradia. Nesse contexto, um número significativo de idosos está voltando a viver sob o mesmo teto de filhos e netos – tendência nomeada Boomers Boomerang. Na prática, a família multigeracional, similar à da década de 1950, tem melhores condições para atender os novos desafios econômicos e socioambientais; além de auxiliar na educação de crianças e jovens.

Uma reportagem publicada pelo The Wall Street Journal Americas, assinada por Alessandra Galloni, mostra que de acordo com estatísticas oficiais, 68% das crianças com menos de 10 anos na Itália – em especial, os bambinos que não estão na escola – ficam com os nonni. Nesse país, cerca de 42% de pessoas com idade entre 25 e 34 anos moram com os pais, tornando a família multigeracional a base da sociedade em alguns países da Europa. Em tempos de crise socioeconômica, os laços familiares são um contrapeso a sistemas de segurança social insuficientes para atender a população em situação de risco social. No Reino Unido, a chamada Full House Family vai crescer 32% em 2031, situação similar em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, 62% dos mais de seis milhões de lares multigeracionais surgiram em razão do retorno de jovens que voltaram a morar com os pais; desses, 50% do fator motivador foi o econômico. Em países como a Dinamarca, Suécia e Noruega – nos quais o Estado garante serviços sociais de qualidade – os laços intergeracionais são menos estreitos porque não são economicamente necessários. A tese é a base do livro The Accordion Family (A família sanfona), de Katherine Newman, pesquisadora da universidade Johns Hopkins.

A tendência Revivalist – um dos destaques da pesquisa The Future Report Food –, por exemplo, mostra que os consumidores estão em busca de uma “âncora” para lidar com esses tempos turbulentos e veem nas antigas receitas uma forma de conforto afetivo; estão “revivendo” de maneira nostálgica a alimentação. Alimentar-se com três refeições diárias é uma forma de buscar a segurança de antigos tempos. Algumas tribos rejeitam a frieza do mundo contemporâneo e estão buscando inspiração em modos rurais de viver; formas similares às dos avós. Nesse contexto, norte-americanos passaram a frequentar restaurantes que resgataram o preparo dos alimentos, inclusive, investindo em receitas clássicas. As pesquisas mostram que as mudanças comportamentais e econômicas estão fazendo com que a sociedade europeia e norte-americana regresse ao conceito de família. A recessão fez com que as pessoas iniciassem uma reavaliação do que realmente importa – o que fez com que a família passe a ser associada a uma fonte de confiança e resistência em tempos econômicos turbulentos. Ou seja, a influência dos membros mais idosos da família foi determinante para que os jovens repensassem a forma de consumir.

Do ponto de vista do negócio e da gestão de marcas, uma análise apurada dessas pesquisas nos leva a concluir que a população idosa tem um poder de decisão e uma influência significativa no consumo familiar. A mensagem é muito clara – enquanto a indústria alimentícia de países emergentes deve investir em produtos e embalagens para singles, voltadas para pessoas que moram sozinhas, as dos países do velho mundo devem voltar os investimentos para produtos e serviços destinados à família multigeracional.

Esse é apenas um exemplo que ilustra a importância de entender o ser humano de diversas idades para detectar tendências, comportamentos emergentes. É essa é a conduta que norteia o trabalho da Voltage – fundada em 2005 da ideia de energizar as marcas. O ponto de partida foi a crença de que para conferir energia às marcas é necessário entender profundamente os indivíduos para inspirá-los. Com uma equipe multi e transdisciplinar, a Voltage é uma agência produtora de Human Insights e Tendências aplicados aos negócios e às estratégias dos clientes. Por meio de metodologias próprias, parcerias internacionais e uma visão acadêmica, busca compreender profundamente o mundo em que vivemos, as mudanças culturais na sociedade contemporânea e os condutores que irão moldar o comportamento das pessoas. Mais que isso, a Voltage transforma esse entendimento em inspiração e orientação para as empresas, com foco na aplicabilidade desse conhecimento para a inovação.

É claro que monitoramos constantemente a cadeia de difusão da inovação para criar articulação e interação capazes de produzir conteúdos diferenciados e inspiradores, gerando insights originais. Saliento que não estamos excluindo os jovens de parte desse processo; aliás, um dos diferenciais da metodologia Voltage, a Voltage Ville, é uma rede exclusiva composta por pessoas criadoras e disseminadoras de tendências, que permite monitorar comportamentos emergentes a serem disseminados pela cadeia de influência. Mas cabe ressaltar que entender o comportamento humano é um processo mais complexo do que simplesmente voltar o olhar exclusivamente para os jovens. Seres humanos de todas as idades são capazes de nos surpreender!