Potenciais e falhas do Marketing de Causa no Brasil 15 de agosto de 2016

Potenciais e falhas do Marketing de Causa no Brasil

         

Apesar dos esforços das companhias globais, país ainda engatinha quanto à capacidade de utilizar recursos financeiros e de pessoal. Especialista dá dicas para marcas

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Marta Porto, Sócia-Diretora da agência JuntosEm tempos de um mundo pautado por temas como colaborativismo e consciência coletiva, não é difícil encontrar projetos de marcas pautados pelo Marketing de Causa. Se antes a adesão era maior por parte das companhias globais – que abriam suas próprias instituições, fundações, casas de apoio e cooperativas -, agora as pequenas e médias empresas também já começaram a ganhar força nesse segmento. A atuação, no entanto, ainda é carente de uma rede que interligue todos aqueles que buscam o mesmo propósito e de pessoas que pensem no coletivo além de uma campanha publicitária.

O Brasil hoje possui um potencial de alcance em trabalhos sociais que ainda é pouco explorado. Isso porque muitas das corporações atuantes ainda olham o macro, quando poderiam fazer mais por quem está ao entorno delas. Com tanta oportunidade e tendências apontando que esse é um mercado em potencial expansão, o país tende a ser um dos grandes celeiros de práticas sociais.

Para que isso ocorra e as empresas brasileiras sejam exemplo, ainda é preciso alguns passos para o amadurecimento do setor. “É preciso aproximar o mercado à sociedade, mostrando às pessoas o que as marcas estão fazendo. As empresas não são protagonistas das ações, mas elas integram e respondem às dinâmicas sociais. Criamos a Juntos para auxiliar esse trabalho. Desenvolvemos plataformas que englobam diversas estratégias que envolvem os cenários culturais e auxiliam as empresas a focarem nessa área – desenho de programas, alinhamento de estratégias, melhor foco de investimento social privado”, conta Marta Porto, Sócia-Diretora da agência Juntos, em entrevista ao Mundo do Marketing.

Como você avalia o trabalho que as empresas brasileiras fazem? O que está sendo feito de certo e errado?

Marta Porto – Existem ONGs excelentes, como a SOS Mata Atlântica que usam os meios digitais para mobilizar a sociedade em torno de uma temática. O Betinho na campanha contra a fome era ótimo em engajar. Quando existe uma plataforma de engajamento que a sociedade considera correta num determinado momento, é possível ter uma campanha virtuosa e virar o jogo com a ação. Temos muitos exemplos que não deram certo, como aquelas que fazem muitas iniciativas com visão parcial, mostrando apenas o que convém. A Samarco é uma delas, já que lançou uma campanha em rede nacional falando do trabalho que faz logo após o rompimento das barragens em Minas Gerais que matou pessoas, acabou com a condição de vida de pessoas e do meio ambiente. Apesar de ela ter feito relatórios socioambiental e de resultados, isso não foi refletido na atuação prática e no modo de governança.

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Hoje em dia você nota que as empresas precisam trabalhar melhor essa parte de comunicação?

Marta Porto – O Brasil tem investimentos imensos em publicidade, com grandes marcas atuando tanto em varejo quanto corporativo. O investimento em causa é muito tímido, ao contrário das tendências Latino-Americanas. As companhias entendem essa parte como divulgação e não como mobilização. É contraditório, porque todas as empresas tem investimentos em áreas sociais, mas pouco é redirecionado à comunicação dessas ações. O que vemos um é um relatório socioambiental ou de resultados. O que falta é conscientização coletiva. Em um país do tamanho do nosso o que cria impacto é levar essa informação para o maior número de pessoas. Não tem no mercado empresas que respondam com qualidade e agilidade.

Como você avalia o Marketing de Causa no Brasil em relação aos outros países?

Marta Porto – Hoje não tem nenhuma empresa que não tenha consciência de que é importante ter uma atuação no campo social. Especialmente as grandes corporações não sobrevivem sem isso. Existe um descompasso entre as formas de estruturar as ações e impactar a sociedade. Na França já existem agências focadas em Marketing de Causa há muito tempo, no Reino Unido também existem profissionais renomados no segmento. São empresas que trabalham antes do processo, com desenho programático, stakeholders até chegar no trabalho final.

E tem estados como Colômbia que isso é uma indução que vem de vários atores, sem modelos para causa, mas que trabalham muito bem a comunicação. Falta no Brasil é a criação de rede, engajamento e discutir que país que queremos viver. Isso não depende do governo apenas. Depende de todos os atores com capacidade de investir recursos humanos ou financeiros. O que falta é sentar juntos todos aqueles que buscam o mesmo propósito em torno de uma pauta comum e criar soluções. Porque vemos que há um desperdício de dinheiro e de tempo, deixa de ser uma causa e vira campanha.

Algumas empresas são receosas quanto a investir nessa área e não saberem o que fazer durante a execução do projeto. Como fazer um Marketing de Causa eficiente?

Marta Porto – A primeira coisa é olhar o DNA do segmento de atuação que a empresa quer fazer. É um trabalho colaborativo, então é preciso saber o nível de sensibilização que as pessoas que atuarão têm em relação à causa escolhida. Deve-se olhar quem está fazendo esse trabalho bem no mercado e ver o que pode aprender com ela. Não necessariamente você precisa abrir um instituto, mas oferecer um serviço que possa ajudar a sociedade ou o entorno da própria empresa.

Quando falamos em recurso, é pensado em dinheiro, mas pode ser também oferecendo tecnologia, espaço, programa de voluntariado e atendimento. É olhar de que maneira pode contribuir para o que existe ao seu redor e ter a capacidade de sustentar isso por um longo período. Vemos experiências pequenas de sucesso, como a Virada Sustentável de São Paulo, que geram informes colaborativos de atuação. Isso não é dinheiro, é serviço.

É preciso que seja feito de maneira clara, que envolva engajamento dentro da empresa. Um dos maiores desperdícios que vemos é falta de relevância e com isso gasta-se dinheiro com algo que não acrescenta em nada para a marca. Quando se investe em pessoas e tempo, deve-se mostrar que vale a pena o que está sendo feito, que gera um retorno efetivo para a sociedade e simbólicos para a companhia. Hoje vemos pequenas empresas que estão atuando em campos de refugiados oferecendo iluminação e outros tipos de conforto para essas pessoas.

Alguns gestores vem buscando terceirizar o trabalho social. Você observa que esse modelo de atuação está aumentando e por quê?

Marta Porto – Existem vários modelos de governança. A primeira coisa é interpretar que a empresa faz parte de uma rede de influência cujo principal ator é a sociedade. O que vem acontecendo hoje é uma série de mudanças de dinâmicas, que nem o governo e as companhias conseguiram identificar o que é relevante. A ética hoje no país é um ponto importante, como os balanços anuais. É preciso analisar se o investimento que está sendo feito gera impacto – independentemente do tamanho do que é feito, se é pequeno ou grande.

Nós, da agência Juntos, um laboratório que oferece uma espécie de coach para aproximar os decisores de quem de fato é porta-voz de uma causa. É um conjunto de atores que em determinado tempo tem influência em um tema. Só esse engajamento mostra uma maior verdade e consistência para as decisões que serão tomadas. Isso ajuda a uma marca a entender que ela gera bem-estar. Dentro de uma empresa você tem pessoas que atuam na área, mas na rua são pessoas normais. Envolve todo mundo: eu, você e o presidente da companhia. Todos podem colaborar, mas se ela não souber como fazer é melhor recorrer a quem pode ajudar.

As empresas de grande porte, em sua maioria, possuem uma trabalho destinado à ONGs (institutos, fundações ou serviços). As médias e as empresas podem participar de alguma forma?

Marta Porto – Certamente. Hoje o trabalho se dá em rede, logo vemos diversas marcas querendo falar sobre um tema. Se olharmos ao redor vemos mais companhias globais atuando com terceiro setor, mas todas as questões não são trabalhadas sozinhas. Para que isso aconteça existem PMEs engajadas auxiliando essas maiores nas atividades. Se houver interligação de uma com a outra, o foco deixará de ser público-alvo e será bem-estar coletivo. É investido muito dinheiro, mas é preciso fazer com que esse recurso gere impacto de fato para a sociedade. Para que isso aconteça deve haver um diálogo das empresas e não lugares opostos. Cada uma pode acrescentar algo em prol de um bem maior.

Leia também: Por que as empresas ainda confundem propósito e causa?

 


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