Se alguém estiver "Baikal Zen" não faça "cara de paisagem"
Se você nunca ouviu este termo, te apresento nesta imagem uma das paisagens mais impressionantes da natureza.
O Baikal Zen é um fenômeno que pode ser encontrado no Lago Baikal, o mais profundo do planeta, localizado no sul da Sibéria, na Rússia, onde pedras parecem “flutuar” sobre a água. Não se trata de nenhum efeito 3D criado por um ilusionista qualquer de Las Vegas, mas sim de um fato real da natureza. Já vou te explicar mais a respeito e aonde quero chegar com o meu raciocínio ao te transportar para este ambiente tão frio. Pega um casaco enquanto te conto um pouquinho sobre algumas pesquisas qualitativas que venho desenvolvendo durante a pandemia.
As empresas vêm investindo cada vez mais em estudos para conhecer o perfil psicográfico de seus diversos públicos alvo: quem são, o que sentem, o que querem, quais são seus medos e anseios, seus sonhos, expectativas para o futuro, o que fazem nos momentos de lazer, quais são seus hábitos de mídia, como se enxergam nas suas relações familiares, o quanto valorizam o trabalho, o quanto se percebem em suas atitudes: são otimistas? Pessimistas? Prevenidos? Impulsivos? E muitos outros pontos de interrogação...
Conhecendo melhor seus Stakeholders, as empresas contam com ferramentas poderosas para planejarem conteúdos de comunicação muito mais precisos e lançarem ações de marketing bem mais efetivas.
Nas entrevistas em profundidade e nos focus groups que venho realizando durante a pandemia, dependendo do recorte de perfil, percebo o quanto este difícil período pelo qual todos nós estamos passando desperta o desejo em alguns participantes de prolongarem a fala sobre si mesmos, indo além do que lhes é perguntado.
Muitos não encontram interlocutores em seu dia a dia e, durante a pesquisa, enxergam um espaço confidencial, neutro e imparcial, onde podem "colocar para fora" sentimentos "escondidos lá dentro". Eles precisam "dividir" com alguém o que lhes acontece no dia a dia para terem forças de "multiplicar" ações para conseguirem seguir adiante.
Noto que, em muitos discursos, tão doídos e tão comoventes em certos instantes, eles parecem estar se transformando em verdadeiros “Baikals Zens”.
Vou revelar o segredo dos bastidores destas misteriosas rochas. Com o intenso frio da região, elas congelam na superfície do lago e são aquecidas pelos raios solares, fazendo o gelo abaixo delas derreter. Como os ventos no local costumam ser muito fortes, acabam dissolvendo o gelo de maneira desigual, gerando uma superfície côncava, onde o pilar da pedra permanece como suporte.?Achou complicado? Tudo parece muito simples diante da complexidade das pedras encontradas no inconsciente humano.
Ao ouvir os entrevistados falando de suas vidas, suas dificuldades, a falta de esperança com o futuro, sinto como se as pessoas estivessem muitas vezes "sem chão", buscando por um suporte mais firme, fazendo malabarismos a todo instante para não escorregarem em um solo tão instável, que vai se dissolvendo a cada dia.
Para uns, a segurança financeira se “derrete” porque ocorreu uma demissão, para outros a vida de um ente querido “se evapora”, e um verdadeiro sentido de “congelamento” vai "tomando conta" de tanta gente, fazendo com que muitos fiquem inertes por dias e dias, sem saber para onde ir e nem por onde (re)começar.
Cada entrevistado é um mundo fascinante e, a cada pesquisa em que conheço um pouco mais das vidas de tantas pessoas, a minha vontade é a de poder penetrar no mundo pessoal de cada um, fazer uma verdadeira etnografia em seu entorno e gerar insights para transformar a sua dor em calor.
Como isso não é possível pelas limitações metodológicas e outros tantos fatores restritivos que fogem ao escopo desenhado para cada projeto, fica o consolo de que a pesquisa por si só já representa um processo terapêutico para os participantes, na medida em que eles sempre encontram um interlocutor com a escuta 100% ativa, um olhar extremamente empático e uma postura totalmente compreensiva.
Desejo que mesmo fora do contexto da pesquisa, todos nós possamos continuar ouvindo quem está ao nosso redor, dando a mão para quem precisa compartilhar sentimentos, permitindo momentos de desabafo e ressignificação da voz interior.
Da próxima vez que você encontrar alguém “flutuando” como uma pedra de Baikal Zen, não fique indiferente. Ouça o que essa pessoa tem a dizer, ofereça o seu sorriso ensolarado para derreter a tristeza e estenda a sua mão para dar o equilíbrio que ela precisa.
Por: Betty Wainstock
Sócia-Diretora do Instituto de Pesquisa Ideia Consumer Insights e Professora da ESPM- Escola Superior de Propaganda & Marketing betty@ideiaconsumerinsights.com.br